Negociador principal da ZLECAf: “GUINÉ-BISSAU DEVE CRIAR INFRAESTRUTURAS, DIVERSIFICAR A PRODUÇÃO PARA BENEFICIAR DA ZLECAF”

O negociador principal da Guiné-Bissau para a implementação da Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZLECAf), Júlio Colonia, alertou que o país deve apostar seriamente na criação de infraestruturas de base eficazes e na diversificação de produtos principalmente agrícolas, para tirar o máximo proveito da implementação do projeto continental da ZLECAf.

“O país precisa ganhar consciência que é urgente apostar na industrialização para ter a capacidade de exportar para os mercados da sub-região e não só, como também reforçar a capacidade dos nossos recursos humanos e proceder às reformas que permitam modernizar as infraestruturas, particularmente rodoviárias, o que é fundamental para o setor dos serviços, sobretudo quando se fala de transporte de bens de um país para outro. É importante que a Guiné-Bissau capitalize as suas vantagens, mas é fundamental que ela trabalhe nas questões de base, criando as infraestruturas necessárias e  diversificando a produção e desenvolvendo a cadeia de valores de produtos onde dispõe de grandes vantagens”, advertiu o especialista em assuntos da ZLECAf, na entrevista ao semanário O Democrata para falar das vantagens que o país pode obter com a aprovação técnica da estratégia nacional e a implementação de ZLECAf.

ESPECIALISTA: “MERCADO NACIONAL PODE SOFRER UM AUMENTO DE OFERTA COM A ZLECAF”

O governo, através do ministério do Comércio, reuniu cerca de sessenta técnicos de diferentes instituições públicas e privadas, do setor privado, da sociedade civil e jornalistas entre 9 e 10 do mês em curso, num seminário para a análise, discussão e a aprovação da estratégia nacional da Guiné-Bissau para a implementação da Zona de Comércio Livre Continental Africana, prisidida pelo titular da pasta do Comércio, Abas Jaló. Na sequência da assinatura do Acordo que estabelece a ZLECAf, a Comissão Económica das Nações Unidas para a África (CEA) comprometeu-se em apoiar os países no processo de implementação do Acordo, razão pela qual apoiou a realização deste seminário que visa a aprovação técnica da estratégia nacional.

A CEA implementou uma abordagem que consiste em facilitar o desenvolvimento de estratégias nacionais para a implementação da ZCLCAf. No caso da Guiné-Bissau, o processo de formulação da estratégia nacional foi efetivamente lançado durante o seminário de consulta pública organizado nos dias 23 e 24 de novembro de 2022 em Bissau.

Esta estratégia, de acordo com o documento consultado pelo O Democrata, deverá permitir ao país identificar as suas vantagens e desafios, os seus pontos fortes e fracos, os meios e recursos a mobilizar para uma benéfica implementação do Acordo, tendo em conta o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) que é a referência do país para política de desenvolvimento. A estratégia será também harmonizada com a política comercial da Guiné-Bissau, bem como com o quadro legal e regulamentar que rege o setor produtivo e comercial do País. 

O negociador principal explicou na entrevista que a estratégia nacional aprovada pelos técnicos é muito importante para a Guiné-Bissau, porque vai definir o caminho que o país deve percorrer no âmbito da implementação deste acordo. Acrescentou que é importante que o país se assegure, porque a sua particularidade e as suas especificidades são tidas em consideração tendo em conta aquilo que tem de melhor em relação a outros países. 

“É importante que a Guiné-Bissau defina o caminho, os setores vitais da sua economia, designadamente o turismo, a indústria, a agricultura e os serviços, tidos em conta neste documento. E que os participantes destes diferentes setores assegurem que realmente, em função das estratégias desses setores e do próprio plano nacional do desenvolvimento que todos elementos estejam referenciados e salvaguardados para que realmente o país possa implementar de forma efetiva e tirar vantagens da ZLECAf”, concluiu.

Questionado sobre as vantagens que um país como a Guiné-Bissau pode tirar deste projeto, uma vez que é tido como um país consumidor, respondeu que é verdade que a Guiné-Bissau é um país que consome muito, mas também é produtor.

“Não se esqueçam que a Guiné-Bissau tem alguns produtos, onde realmente tem capacidades ou vantagens em relação a outros países. O importante aqui é ganharmos consciência que nós precisamos de industrializar para termos a capacidade de exportar para os mercados da sub-região”, disse.

Assegurou que as vantagens do país são muitas e que do ponto de vista económico vai permitir com que o país aumente o seu nível de exportação, desde que tenha a capacidade de colocar os produtos nos países da sub-região. Alertou que o mercado nacional, com a implementação da ZLECAf, o país pode sofrer um aumento da oferta “, porque haverá empresas de países da sub-região que virão instalar-se ou exportar os seus produtos para a Guiné-Bissau, portanto haverá uma diversidade de produtos a nível interno, o que poderá ter um impacto sobre os produtos a nível nacional”. 

Sobre as ameaças que a implementação da ZLECAf representa para os empresários nacionais, disse que é verdade que as empresas e as sociedades não consolidadas vão sofrer grandes ameaças, tendo aconselhado os empresários nacionais a acreditarem nas suas capacidades, sobretudo de organização.

“As empresas que virão, não vão instalar-se sozinhas, certamente precisarão de criar parcerias e trabalhar com empresas já consolidadas a nível nacional”, esclareceu.

Interrogado sobre o período exato da aprovação final ou adopção política da estratégia nacional validado pelos técnicos, explicou que os técnicos aprovaram a estratégia nacional com emendas. Enfatizou que a equipa técnica que dirige tem um período estendido até o dia 04 de abril próximo para fechar o documento final que será submetido ao executivo para apreciação.

“Os técnicos já validaram e se o governo concordar ou aprovar, a próxima fase será a implementação que será feita com base na criação do Comité Nacional da implementação da ZLECAf, depois será o governo a decidir sobre o formato do Comité e quem vai presidi-lo: ou será o próprio primeiro-ministro quem vai presidir o Comité ou se vai ficar a nível do ministério do Comércio”, esclareceu.

CONSULTOR REGIONAL: “GUINÉ-BISSAU PODE CONSIDERAR CASTANHA DE CAJÚ COMO SEU PRODUTO ESTRATÉGICO”

Relativamente à questão de não liberalização de produtos estratégicos, a não inclusão dos produtos estratégicos no acordo de ZLECAf, o consultor sub-regional, Cheikh Tidiane Dieye, explicou que cada país é livre de identificar os seus produtos estratégicos para protegê-los.  

“A Guiné-Bissau é membro da CEDEAO que tem uma união alfandegária. Os países da CEDEAO estão a trabalhar conjuntamente para identificar os produtos mais importantes, portanto cada país tem a responsabilidade de escolher os seus produtos mais importantes para protegê-los. Evidentemente que a Guiné-Bissau, o seu primeiro produto é a castanha de cajú, portanto existe uma estratégia defensiva para proteger a castanha de cajú”, esclareceu, para de seguida, afirmar que o mais importante é que a Guiné-Bissau tem uma potencialidade que alguns países não têm que é a sua capacidade de produção da castanha que está a evoluir, por isso “a Guiné-Bissau vai considerar a castanha de cajú como o seu produto estratégico não só para o proteger, mas também para trabalhar na sua transformação local e procurar o mercado africano.   

Dieye, que também é diretor executivo do Centro Africano para o Comércio, Integração e Desenvolvimento (CACID), disse que, com a aprovação técnica da estratégia nacional, a Guiné-Bissau reúne uma das condições necessárias para a implementação da ZLECAf, dado que é um país signatário deste acordo, que ratificou em setembro de 2022.

Alertou que a implementação da ZLECAf terá os seus desafios para o país, tendo assegurado que a estratégia nacional tomou em conta todos esses desafios. Acrescentou que o mais importante neste momento é que os atores guineenses, depois de constataram os referidos desafios, proponham ações e atividades que permitirão ultrapassar os desafios, bem como reduzir as ameaças e reforçar as potencialidades da Guiné-Bissau em todos os setores do comércio, de bens e serviços, que permita que a ZLECAf seja um sucesso para a Guiné-Bissau.  

Em relação à adopção política da estratégia nacional pelas autoridades guineenses, o consultor sub-regional, disse que o acordo comercial deve basear-se numa vontade política muito forte.

“A assinatura do acordo e a sua ratificação da parte de um determinado país é já um sinal muito forte da vontade política das autoridades. A boa vontade política é que o governo disponibilize os meios no orçamento geral de Estado e procure meios junto da comunidade internacional, como também que convença os parceiros de desenvolvimento para virem ajudar a investir no setor produtivo”, disse, advertindo que a Guiné não pode ficar numa posição de espera, porque é um país pequeno sem recursos.

“A Guiné-Bissau deve mostrar que está em posição de fazer melhor e muito mais que todos os países africanos no quadro da ZLECAf. O governo deve mobilizar todos os seus quadros capazes para dar as suas contribuições e escutar o setor privado. É verdade que o acordo vai ser executado pelo setor público, mas é o setor privado que vai comercializar”, aconselhou.

Refira-se que o acordo da criação da Zona de Comércio Livre Continental Africana foi assinado em março de 2018 por 49 países da União Africana. Um ano depois, a Guiné-Bissau assinou o referido acordo em fevereiro de 2019, como também se tornou no 44º país a ratificá-lo em setembro de 2022.

Por: Assana Sambú      

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