Tamilton Teixeira: “CAMPANHA ELEITORAL ESTÁ POBRE, PORQUE…”

O Sociólogo e Professor na Universidade Amílcar Cabral, Tamilton Teixeira, afirmou que o debate e os discursos de políticos na campanha eleitoral estão muito pobres, porque não se fala de forma séria dos principais problemas da população, particularmente a situação da educação que é praticamente inexistente, da saúde e a questão da campanha de cajú. Acrescentou, neste particular, que não era este o debate que se esperava dos partidos perante a situação social que os guineenses vivem. 

“O discurso dos partidos ou de cabeças de lista ao cargo do primeiro-ministro poderia ser a apresentação de um plano a curto, médio e longo prazo. A curto prazo, porque temos a principal universidade pública do país fechada. Temos o principal produto estratégico do país, a castanha de cajú que representa quase noventa por cento da balança comercial nacional, que está prestes a conhecer o seu pior momento. Estamos a viver situações bastantes complicadas a nível social nesta terra, mas estes assuntos não são debatidos pelos partidos e ninguém apresenta uma proposta de soluções concretas sobre a crise que se vive no setor da educação, da saúde e a questão económica, sobretudo a castanha de cajú”, disse o sociólogo, na entrevista ao Jornal O Democrata para analisar os discursos dos partidos nesta primeira semana da campanha eleitoral, sobretudo se  são consistentes ou não com os verdadeiros problemas que os guineenses enfrentam. 

“PERFIS DOS NOSSOS POLÍTICOS NÃO DIFEREM DO EVENTO QUE INAUGUROU O PROCESSO NA GUINÉ-BISSAU”

Explicou que as eleições guineenses acontecem sempre porque o país não conseguiu cumprir as aspirações populares. 

As eleições acabam por se realizar sempre em situações de tensão política muito agudas. Acrescentou que estas tensões condicionam o tipo de debate que se assiste nas campanhas eleitorais.

“Se estivéssemos a realizar as eleições no término de uma legislatura, um ciclo eleitoral normal ou a renovar um calendário político, talvez tivéssemos as condições de discutir os aspetos essenciais da vida dos guineenses e dos principais problemas que se abatem sobre a sociedade guineense. Digo isso para mostrar que não é o discurso que se esperava e que se podia esperar dos nossos políticos”, referiu.

“Temos indicadores sociais complicados e que deveriam preocupar as nossas autoridades. O Fundo das Nações Unidas para a População apresentou um relatório recentemente a indicar que anualmente morrem 900 mulheres guineenses no parto. Outro indicador é a “PIZA”, que regulamenta o funcionamento da educação no mundo, cujo relatório indica que as crianças guineenses a partir de 8 anos de idade perdem a capacidade de competir com as crianças dos países da sub-região.

Temos 34 por cento das meninas em idade escolar que não frequentam a escola. Temos o último dado do MICS que diz que 46 por cento da população é analfabeta. Será que estes assuntos são abordados de forma séria pelos partidos na campanha eleitoral? Ou merecem as suas preocupações?”.

Afirmou que estes assuntos não são abordados pelos políticos, porque “os perfis dos nossos políticos não diferem do evento que inaugurou o processo político e democrático na Guiné-Bissau. Somos ainda uma sociedade política de muita personalização, as pessoas são colocadas em vez de instituições”.

Acrescentou que os candidatos ao cargo de primeiro-ministro são contrariados por estas narrativas, porque quando apresentam o programa eleitoral com nomes diferentes, acabam por não conseguir absorver o programa e nos discursos não conseguem falar do programa eleitoral.

“Nos discursos não conseguem debruçar sobre nenhum eixo do programa eleitoral. Estes aspetos cruciais nos setores da educação e saúde limitam-se apenas a discutir sobre roubo de voto, perspectivas da coligação para formar governo e proferir ameaças sobre quem roubar os seus votos. Perdem tempo a falar de assuntos que podem ser discutidos após as eleições, mas não são discutidos no pós-eleições, porque não têm assuntos para debater. Isto tem a ver com muitos fatores e um dos fatores é o nível da escolarização da população guineense que é muito baixa e a classe política acaba por sentir uma pressão do povo”, assegurou, alertando que se o país continuar a não ter uma educação de qualidade e eleições pobres do ponto de vista dos conteúdos dos debates sobre os problemas reais da Guiné-Bissau, não vamos a lado nenhum.        

Explicou ainda que é preciso tomar exemplos dos países da sub-região em que os partidos são apetrechados de quadros técnicos preparados, citando o exemplo do PASTEF do Senegal, liderado por Oussumane Sonko, que apresenta dirigentes capazes de debater ideias claras sobre os problemas do país.

“A nível do PASTEF, toda gente sabe que Dialo Diop é um potencial ministro da Cultura, se o seu partido chegar ao governo, porque é quem inspira toda a ideia da cultura. Infelizmente, no nosso caso tudo é ao contrário e espontâneo. Não sabemos quem é quem nem quais são as suas ideias sobre a educação e surpreendentemente, alguém é nomeado para ocupar a pasta da educação”, referiu.

Afirmou que os guineenses não devem esperar nada destas eleições, porque os protagonistas são os mesmos e tudo acontece espontaneamente.  Por isso não se sabe o que a pessoa pensa sobre a educação, as finanças ou a reestruturação do sistema de saúde. Nos  países da sub-região e no mundo fora, as pessoas que estão à frente dos partidos, são conhecidas no mundo acadêmico por causa das suas produções e comentários nas televisões, nas rádios e nos jornais.

Sobre a campanha do Partido da Renovação Social (PRS), assegurou que o partido de milho e arroz está mais na defensiva, porque sentiu-se lesado no pacto de que fazia parte. Por isso, apresenta uma posição defensiva e ofensiva ao mesmo tempo, de acordo com o momento.

“O PRS apresenta uma posição defensiva quando vai defender o seu interesse enquanto partido e na ofensiva quando ataca diretamente quem acha que lesou o partido, neste caso, o Presidente da República” disse, afirmando que o MADEM-G 15 está agora um pouco mais tímido no sentido de que não pode reivindicar mais coisas, frisando que o próprio chefe de Estado vem lembrando que o partido não pode reclamar de muita coisa, razão pela qual o discurso do Coordenador Nacional, futuro primeiro-ministro, caso vença as eleições, tem sido muito desviante, ou melhor, não tem ido ao encontro das aspirações que poderiam interessar”. indicou.

“Estou a referir-me apenas aos principais. 

Temos ainda o PAIGC que dirige a coligação que foi buscar na famosa “Terra Ranka”, mais uma vez uma espécie de repetição. É bom dizer que não justifica repetir o nome de um programa eleitoral de um partido, depois de quase uma década. Creio que poderiam encontrar outro nome e fazer um programa de acordo com o contexto atual, mas isso tudo é baseado na ideia de que era isso que nós pensávamos e não nos deixaram implementá-lo. É legítimo pensar assim, mas o tempo evolui e dez anos era tempo de pensar em alguma novidade, não dizer que renovamos. Eu compreendo que as dinâmicas eleitoralistas têm essas particularidades, mas continuo a achar que poderiam fazer diferente”, contou.   

Relativamente à Assembleia do Povo Unidos-Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB) dirigido pelo atual chefe do executivo, digo que o líder dos apuanos, Nuno Gomes Nabian, está mais na defensiva, porque limitou-se a defender-se das acusações e ataques que recebeu ao longo destes tempos.

“O primeiro-ministro anda a responder às acusações ou críticas de ser muito silencioso e submisso ao Presidente da República. Eu tinha dito numa ocasião que quem vai ganhar essas eleições é o próprio Umaro Sissoco Embaló, porque há toda uma dinâmica que se orienta de que ele tem que ter última palavra, mas isso não tem nada a ver com a Constituição”, referiu.

“67 POR CENTO DE ALFABETOS QUE SÃO PROFESSORES E GENTE DA ADMINISTRAÇÃO NÃO ENTENDEM O QUE LÊ”

Solicitado a explicar sobre como trazer os partidos ao debate dos assuntos reais do país e apresentar as soluções na base dos respectivos programas eleitorais, declarou que existem duas principais instâncias que realizam globalmente o debate político, nomeadamente a comunicação social, a sociedade civil e as estruturas académicas em toda parte da África e na Europa.

“Na França, têm um espaço por excelência de grandes debates e nas eleições presidenciais são usados para debates em que os estudantes universitários que dominam a matéria são chamados para questionar os candidatos presidenciais sobre os diferentes assuntos do país. Nós não temos educação para fazer isso. Não temos universidade pública. Como é que vamos organizar um debate dentro da universidade, onde está a massa crítica? A nossa sociedade civil há um bom tempo que não é digno dessa prerrogativa para organizar debates desta natureza”, vincou, afiançando que não se pode ter um debate em que o assunto a ser debatido pode ser orientado para condicionar o sentido do voto sem uma estrutura académica de pensamento.

Lembrou que a Guiné-Bissau vai completar 50 anos de independência em setembro deste ano, mas não se fala em ideias ou iniciativas para pensar o país nos próximos 50 anos, porque “o país está sem cabeça para refletir”.

Recordou que a União Africana, quando completou 50 anos da sua fundação, convidou peritos para refletir sobre o que se passou e projetar os próximos 50 anos, portanto “foi dali que lançou a agenda 2063 da União Africana”.

A partir daí, todos os países passaram a fazer uma agenda inspirada na agenda da União Africana, mas nós o que fizemos até aqui? O Ruanda fez uma agenda “Visão 2050”, Senegal 2025 e 2050, chamado “Senegal Emergente” e Togo fez uma agenda 2050. E nós o que é que fizemos, ninguém está interessado em discutir os problemas do país. 

Estamos num debate, neste momento, a nível do nosso continente e os principais assuntos são a questão de uma independência económica financeira, a questão da moeda Eco. Outro debate é sobre a Zona do Comércio Livre Continental Africano (ZLECAf). O que é que nós fazemos nestes debates? Nós participamos, estamos acompanhando e sabemos o que está na agenda? Ninguém sabe e não acompanhamos, porque não criamos as condições para acompanhar os debates desta natureza, porque lamentavelmente, a Guiné-Bissau deixou de ser um país que se guia pelo conhecimento”, criticou, realçando que o ideólogo destas agendas é um cidadão guineense, Carlos Lopes.

Realçou, neste particular, o trabalho feito pelo chefe de Estado togolês, Faure Gnassingbé Eyadéma, que conseguiu fazer uma reviravolta incrível de ponto de vista da educação e das infraestruturas, tendo lembrado que o académico guineense Carlos Lopes começou a assessorar o presidente togolês entre 2016 e 2017.

“Quando olhamos para o plano nacional do desenvolvimento do Togo, que tem como conselheiro principal o Professor Carlos Lopes, é chegado o momento de pensarmos seriamente o que queremos neste país. Quem é que nos orienta ou quem é que nos aconselha sobre os problemas do país e as possíveis soluções?”, questionou, revelando que na Guiné-Bissau dá-se o primeiro emprego às pessoas ao cargo de reitor da universidade.

É preciso ter uma carreira ou uma história para contar sobre a educação. Em alguns países africanos é preferível que se escolha um aventureiro como Presidente da República, mas não como um reitor de uma universidade. Falamos aqui de 46 por cento da população que é analfabeta, mas dos alfabetizados, 67 por cento não entendem o que leem . Esta é uma estatística que chama de iliteracia. São 67 por cento de analfabetos que são professores, técnicos de saúde e agentes da administração que não entendem o que leem. Quem se preocupa com isso? 

E este assunto merece um debate ou análise dos nossos políticos nesta campanha”, notou.    

Afirmou que não é desta vez que se vai resolver os problemas que preocupam o povo pelo partido vencedor do escrutínio de 04 de junho, frisando que o país está a realizar essas eleições legislativas porque “existe uma grave crise política”.

O professor disse que a Guiné-Bissau não consegue resolver os problemas reais e costuma adiá-los com muita conveniência da comunidade internacional que, segundo ele, apressa-se em financiar as eleições no país e que nunca criticou essas atitudes e questionou o porquê de os governos não conseguirem terminar os mandatos de quatro anos. 

Questionado se alguma formação política vai conseguir vencer essas eleições com a maioria absoluta, respondeu que a política guineense é caracterizada pela imprevisibilidade.

“A forma como organizamos as eleições não permite sondagens. A população guineense é na sua maioria não politizada e se fosse, então saberíamos como é que os guineenses votam. O sistema eleitoral guineense é muito vulnerável, ou melhor, há um conjunto de fatores que me impedem fazer este tipo de sondagens”, salientou, sublinhado que a sua preocupação é que mesmo se os partidos fizessem acordos no Parlamento para formar uma maioria, seria possível formar um governo de consenso que completasse os quatro anos de mandato?

Por: Assana Sambú

Author: O DEMOCRATA

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