Ameaça à saúde pública : LIXOS INUNDAM MERCADOS DE BISSAU E DEIXAM RETALHISTAS IMPACIENTES  

[REPORTAGEM] A concentração de lixo nos principais mercados da capital Bissau constitui uma preocupação para os retalhistas que se mostram impacientes face à inoperância do serviço de saneamento da Câmara Municipal de Bissau (CMB). Segundo os retalhistas, essa situação coloca em risco a saúde e a vida dos retalhistas e utentes porque podem contrair doenças através de lixos que inundam os principais centros comerciais, por meio de contaminação.  

Uma equipa de reportagem do Jornal O Democrata visitou os mercados de Cuntum Quelelé, Bôr, Feira Cacheu e Caracol para se inteirar do estado real do saneamento, ou seja, da forma como os retalhistas e utentes lidam com lixos diariamente. Durante o percurso, foi possível constatar lixo amontoado nas bermas de estrada junto de alguns mercados.

Os vendedores estendem sacos plásticos no chão para vender peixes e legumes, a alguns centímetros de lixos amontoados com cheiro horrível de suportável.

Os retalhistas e as bideiras sentem-se à vontade e até parece receberem “vacina” contra o cheiro, que os deixa tão à vontade perante aquela situação, contudo percebe-se que são “obrigados” a sentar-se naquele lugar, porque se não o fizerem correrem risco de ficar sem espaço para vender.   

“É difícil suportar o cheiro de lixo. Diariamente somos obrigados a passar por tudo isso e os utentes também”, disseram os retalhistas.

“LIXO E A AGLOMERAÇÃO DE PESSOAS SÃO UMA GRANDE PREOCUPAÇÃO” – RETALHISTAS DE CARACOL

O presidente da Associaçao de Comerciantes e Retalhistas do Mercado de Caracol, Malam Nanque, disse que o lixo no mercado de Caracol é uma preocupação “muito forte”, tendo em conta a  quantidade amontoada no mercado e a aglomeração de pessoas.

“O mercado de Caracol precisa de saneamento constante. Na verdade, não podemos menosprezar as orientações dos nossos parceiros e da CMB. Às vezes, dá-nos um susto incalculável. É um mercado construído dentro da comunidade, o que torna fácil o amontoar do lixo e a criação de contornos negativos. Não estamos a falar apenas do lixo produzido no mercado, mas também do lixo dos próprios moradores. Tudo isso deixa o mercado num estado muito desagradável”, afirmou.

Denunciou que os feirantes deparam-se com enormes problemas quando chove, porque “a valeta que liga o mercado ao Campo Forçado está cheio e entupido. Várias vezes solicitamos a intervenção da Câmara Municipal de Bissau para efetuar uma limpeza geral da valeta, mas não fomos tidos, nem achados”.

Perante esta situação, apelou às autoridades competentes a tomarem diligências para desentupir a valeta, para permitir que os feirantes e os moradores respirem ar puro e tenham condições sanitárias mais saudáveis.

Denunciou que os próprios moradores não colaboram. Dificultam os feirantes e deitam o lixo atrás na valeta, defendendo que a valeta passe a ser limpa de três em três meses e que seja colocada uma tampa para que ninguém a acesse.

Malam Nanque disse que a  segurança do mercado de Caracol está sob a responsabilidade dos próprios feirantes porque, embora exista um posto de asseguramento às pessoas, continua a fazer-se desgraças.

No que tem a ver com casa de banho, Malam Nanque explicou que existe uma casa de banhos, mas está a precisar de reparação, porque “está num avançado estado de desagrado. É um lugar muito sensível à saúde humana”.

Malam Nanque assegurou que a casa de banhos dá algum rendimento à associação que ajuda na sua manutenção e limpeza.

Apelou ao futuro governo a fazer uma apreciação urgente das condições difíceis  que  as bideiras e comerciantes de diferentes mercados enfrentam.

RETALHISTAS DO MERCADO DE PLACK II CLAMAM POR MELHORES CONDIÇOES

Em entrevista ao jornal O Democrata, o vice-presidente de Associação dos Retalhistas do Mercado de Plack II, Tidjane Indjai, disse que a situação do mercado de Plack II é “lamentável”, porque “não tem cobertura e a Câmara Municipal de Bissau (CMB) demora em tirar o lixo.

Essa inatividade da CMB leva, às vezes, os utentes a assumirem o trabalho da equipa de saneamento básico da Câmara Municipal de Bissau”.

“Apesar dessa situação, continuamos a pagar diariamente 150 francos CFA´S à CMB”, afirmou, lembrando que os feirantes conseguiram construir casas de banho e água potável graças à insistência dos associados que, em diferentes momentos da campanha para as legislativas e presidenciais, aproveitaram para fazer apelos aos partidos políticos que atenderam os nossos pedidos porque queriam votos”, indicou.

O vice-presidente da Associação revelou que, por iniciativa interna dos feirantes, o mercado de Hafia conseguiu contratar três seguranças e cada um recebe sessenta e cinco (65) mil francos CFA/mensais.

Tidjane Indjai apelou ao futuro governo a dar atenção especial aos mmercado e a criar as melhores condições para que os utentes passam contribuir na melhoria de condições higiénicas dos mesmos.

“A anterior direção de Câmara Municipal de Bissau tinha prometido que construiria um mercado em Pack II, depois de terminar os trabalhos do mercado do Bairro Militar, mas até ao momento não temos nenhum sinal”, disse.

O Jornal O Democrata falou com uma peixeira que lamentou a falta de poder de compra, devido à queda que se registou na campanha de comercialização da castanha de cajú.

Felizberta Hilário Cá, vendedeira há mais de três anos, disse que consegue o peixe porque o seu avô é pescador e tem-lhe fornecido o pescado, afirmando que não se sente confortável com nenhum governo porque “os sucessivos governantes apenas têm criando problemas e pobreza à população”.

Criticou a atitude de algumas vendedeiras de legumes que colocam os produtos no chão cheio de lama e de sujeira.

O democrata visitou também os mercados de Cuntum Quelelé, Bôr, Feira Cacheu e Caracol para se inteirar da situação estado real do saneamento.

Durante o percurso, foi possível constatar o lixo amontoado, lodo e águas turvas perto das vendedeiras.

Interpelados pela nossa reportagem, os feirantes dos  diferentes mercados visitados exortaram o governo e a Câmara Municipal de Bissau (CMB) a terem em conta o saneamento básico no primeiro plano, para permitir que haja saúde, uma vez que a falta de saneamento básico pode pôr em causa a saúde pública.

Um dos entrevistados do mercado de Cuntum Quelelé, Xavier Ié, secretário da Associação dos Feirantes do Mercado de Cuntum, pediu à CMB e ao governo para darem uma atenção especial ao saneamento básico nos mercados, tendo em conta que são espaços onde todos os legumes e outros produtos consumidos pela população saem para as nossas casas.

“Podemos contrair doenças e contaminar as nossas famílias, se não tratarmos os mercados devidamente”, indicou.

Questionado se seria, no caso, a entidade camararia quem deveria fazer a limpeza, explicou que cada feirante faz a limpeza do seu espaço, embora tenha lamentado as dificuldades da chegada e acesso da viatura da entidade camarária.

Xavier Ié revelou que às vezes, o departamento do saneamento básico da Câmara Municipal de Bissau leva dois meses sem retirar o lixo, tendo apelado à edilidade a acionar os mecanismos de remoção de lixo nos mercados, sobretudo neste período das chuvas.

O secretário da Associação dos retalhistas do mercado de Cuntum Quelelé disse que a casa de banho do mercado tem condições, mas a falta de seguimento necessário pode criar problemas, razão pela qual pediu a contribuição de todos os feirantes para mantê-la com higiene.

Revelou ao jornal O Democrata que doravante, a associaçao tem um desafio que quer implementar, por isso cada feirante deve contribuir com 200 francos CFA para ajudar na compra de materiais de limpeza e de saneamento básico para manter a higiene no mercado. 

FEIRANTES DO MERCADO DE HÁFIA DENUNCIAM QUE A CMB NÃO RETIRA O LIXO FAZ CINCO MESES

O jornal O Democrata ouviu Mariama Mané, vendedeira de legumes no mercado de Háfia, que qualificou a situação do lixo como lamentável porque “a corrente de água arrasta o lixo para o mercado, cria mau cheiro e bichos”.

“Peço à Câmara Municipal de Bissau que melhore a situação dos mercados de Bissau. Os utentes e nos que frequentam este mercado são humanos e não vamos continuar nesta situação de penúria e desumana”, disse.

Interpelado pela repórter de O Democrata, o presidente de Associação dos Retalhistas do mercado de Háfia, Mamadú Bobo Djaló, revelou que conseguiram construir a casa de banho e dois pavilhões graças à contribuição dos associados, não obstante pagam todos dias cento e cinquenta francos CFA´S à CMB.

“Há cinco meses que a Câmara Municipal de Bissau não retira o lixo neste mercado. Neste período das chuvas, a água arrasta o lixo para debaixo das mesas onde vendemos os nossos alimentos. É desumano e CMB tem de trabalhar para mudar esta situação. Não conseguimos alugar uma viatura para evacuar o lixo”, criticou.

Disse que os feirantes querem ajudar o governo e o Estado guineense, mas essas entidades não têm ajudado a população e lembrou que Bissau tem apenas três mercados nos bairros periféricos, nomeadamente Háfia, Granja e Antula “do resto tudo é improvisado”.

“Os guineenses não têm trabalhado para o desenvolvimento do país. Os estrangeiros estão a ganhar terreno a cada dia. O nosso governo deve criar as condições e melhorar a situações dos mercados. O nosso mercado está a escassos metros do Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira e poderia servir de um ponto estratégico para arrecadar receitas para o Estado. Os turistas poderiam visitar e comprar vários produtos”, assinalou e disse que o mercado não tem água potável e para abastecer a casa de banho diariamente foi contratada uma pessoa.

FEIRANTES DO MERCADO DE BAIRRO MILITAR QUEIXAM-SE DE VULNERABILIDADES

O jornal o Democrata visitou igualmente o mercado de Bairro Militar e falou com o vice-presidente da Associação Nacional dos Retalhistas, Demba Gano, que denunciou que os feirantes do bairro militar enfrentam uma situação de vulnerabilidade extrema e lixo .

Dembo Gano revelou que não existe união no seio dos retalhistas nem nos mercados na Guiné-Bissau, mas sim becos. Existe ausência do Estado o que colocou os feirantes de diferentes mercados numa situação de vulnerabilidade.

“O mercado não tem nenhuma casa de banho. A casa de banho que temos neste momento é privada e os utentes pagam cem francos CFA, dependendo de tipo de necessidade. As maiores vítimas dessa situação são as mulheres. É lamentável”.

“Algumas pessoas vendem os seus produtos no nosso armazém, no chão. Ariscam vender no chão para sustentar os filhos. A queda na comercialização da castanha de está a provocar fome nas zonas rurais e o preço dos produtos de primeira necessidade disparou e os cidadãos não têm poder de compra”, lamentou.

Dembo Gano afirmou que o problema de lixo no mercado de Bairro Militar deve-se ao mau hábito de alguns moradores do bairro que “trazem lixo das suas casas para o mercado “.

Defendeu que é urgente realizar as eleições autárquicas para o bem-estar dos moradores e utentes do mercado, porque “com a organização da administração pública as receitas e diferentes contribuições podem ajudar a sanar os problemas nos setores da educação e da saúde”.

Criticou o fato de o país não dispor de um banco nacional, o que, na sua observação, ajuda os estrangeiros a delapidar a economia da Guiné-Bissau todos os dias por que a maior parte dos produtos consumidos são importados e os estrangeiros dominam todos os setores e estão em todos os lados do país e porque também o governo não tem nenhuma política pública para organização do seu território.

“É urgente trabalhar na organização e controlo do país, sobretudo das atividades de rendimento e dar oportunidades à juventude”, defendeu e disse que o governo deve começar em pensar na organização e controle das fronteiras porque “a população está a ficar cada vez mais chateada com tamanha desordem, porque cada um faz o que bem lhe apetece “.

“Temos que ter orgulho do nosso país. Controlá-lo bem, sobretudo no capítulo de atribuição das nacionalidades. Não se pode distinguir nacionais dos estrangeiros”, sublinhou e apelou a todos os guineenses a apostarem nos cursos técnicos e deixar a vida de luxo.

Afirmou que a corrupção tomou conta da administração, porque   os políticos corruptos não são levados à justiça nem condenados. “Continuamos a ter desvios de fundos públicos no país  e os infratores continuam impunes”.

Sublinhou que as autoridades devem ter mecanismos e estratégias para desencorajar essa prática, porque “se houvesse justiça no país e as pessoas que desviaram bens públicos fossem julgadas, talvez a prática de corrupção fosse diminuir”.

“Os governantes devem parar de comprar carros de luxo e trabalhar para o bem-estar de todos”, disse e recomendou o novo executivo a trabalhar para baixar os preços dos produtos de primeira necessidade e as taxas de importação.

Todos esses mercados visitados pela nossa equipa de reportagem têm um problema comum, o lixo.

O lixo causa a contaminação do solo, da água pelo chorume, mau cheiro causado pelo lixo em decomposição, o entupimento das valetas e aumento de inundações.

AMBIENTALISTA REVELA QUE GUINÉ-BISSAU É SEGUNDO PAÍS DO MUNDO COM PIOR SISTEMA SANITÁRIO

Interpelado pelo jornal O Democrata, o ambientalista guineense, Dembo Mané, revelou que a Guiné-Bissau é segundo país do mundo com pior sistema sanitário, porque não tem controlo do estado de saneamento básico e deixa lixo nas vias públicas a céu aberto, o que acaba por criar doenças oportunistas para a saúde da população da cidade de Bissau.  

Dembo Mané fez essa observação em entrevista exclusiva ao Jornal O Democrata para abordar a situação de lixos amontoados em diferentes mercados de Bissau e nos bairros periféricos, sobretudo nesta época chuvas.

Dembo Mané alertou que lixo representa uma ameaça à saúde pública e ao próprio meio ambiente., tendo defendido que é preciso que as autoridades nacionais, sobretudo os gestores da cidade de Bissau, principalmente a Câmara Municipal de Bissau (CMB), criem as condições para melhorar a situação do saneamento básico. Mané adiantou que o trabalho de remoção de lixo feito que a CMB faz não é limpeza, mas sim é transferência da poluição de uma localidade para outra.

“Para acabar com lixos amontoados na cidade de Bissau, deve-se criar recipientes onde as pessoas passarão a colocar o lixo de forma separada, colocando plástico aparte, o metal e os orgânicos, só assim poderemos dar resposta a essa problemática do lixo na cidade de Bissau. Outro mecanismo é sensibilizar as pessoas para evitarem consumismo, sobretudo a utilização excessiva de sacos plásticos que estão espalhados em toda parte da capital Bissau”, aconselhou.

Dembo Mané lembrou que em 2014 foi apresentado um relatório que espelhava que menos de um por cento de mais de 90 por cento do lixo produzido na cidade é reciclável.

Para o ambientalista, isso é grave e a solução é criar oficinas de reciclagem como alternativas para a problemática do lixo, transformá-lo numa fonte de rendimento, tanto em biogás, compostagem para horticultura e outros diferentes tipos de atividades e evitar queimá-lo ou escavar buracos para colocá-lo, porque o que temos feito não é solução.

Mané informou que a falta de controlo e de mecanismos para se resolver esta situação na cidade de Bissau, está a criar enormes dificuldades para esgotos construídos em diferentes partes de capital para circular a água, o que acabará por provocar inundações nas residências. Mané sublinhou que essa situação de lixo pode contaminar os lençóis freáticos e canais de água nas zonas húmidas.

“Pode imaginar a grande quantidade de pilhas que contém várias substâncias químicas que são deitadas nas ruas e quando se espalham no chão vão afetar água e, consequentemente, ciar problemas de saúde à população, nomeadamente doenças como tifoide entre outras. Outra consequência são as nossas bolanhas, O lixo que é deitado nas bolanhas é preocupante. Quando chove, afeta o trabalho agrícola das comunidades e os peixes no mar que, de forma direta dependemos para a nossa dieta alimentar”, afirmou.

Dembo Mané advertiu que outro mecanismo para resolver a situação de lixo na cidade de Bissau é a implementação da educação ambiental, tanto no currículo escolar como na educação não formal, educar as pessoas como devem valorizar o ambiente e tratar o lixo, caso contrário, será impossível ter respostas sobre a situação de lixo no país.

“É preciso que haja a seriedade a nível do ministério do ambiente e da biodiversidade e Câmara Municipal de Bissau sobre essa matéria perigosa para a vida dos cidadãos. Sabemos que a Guiné-Bissau é um país que faz parte de concerto das Nações, que assinou a carta dos objetivos de desenvolvimento sustentável, combater as mudanças climáticas, melhorar condições de saneamento e ratificar vários tratados internacionais, mas a nossa atuação no domínio ambiental nota-se mais na área da biodiversidade, de maneira que é preciso trabalhar seriamente na questão de saneamento para que possamos aumentar a esperança de vida”, sublinhou.

Dembo Mané aconselhou as pessoas a evitarem estar perto de lixo, sobretudo as vendedeiras, nos mercados de Bissau e nas regiões, para evitar contatos diretos com lixo porque é nocivo à saúde humana, “por mais que alguém queira ganhar dinheiro, deve prevenir-se para que não contraia doença crônica”.

“A Câmara Municipal de Bissau deve ser mais vigilante, promover campanadas de sensibilização sobre tratamento do lixo, manter espaços onde as mulheres praticam as suas atividades limpas para garantir saúde à população. No passado, havia grupos de jovens que faziam limpezas em diferentes bairros de capital Bissau, mas hoje em dia esse trabalho não é frequente, porque existe a consciência que aquele trabalho não é limpeza, mas sim a transferência da poluição, devido à falta de espaços para colocar ou reciclar o lixo”, alertou.

Jovem ambientalista assegurou que neste momento, o vazadouro de Safim, que está localizado nas zonas húmidas, está superlotado, criando ameaça à saúde pública e outros problemas, razão pela qual defendeu que é preciso redefinir uma estratégia e montar outro tipo de plano, porque” o saneamento básico não é apenas a limpeza urbana, mas também tem a ver com o tratamento e destino final de lixo”.

Por: Carolina Djemé/ Noemi Nhanguan e Aguinaldo Ampa

Fotos: Marcelo Na Rinche

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