
[ENTREVISTA_agosto de 2023] O professor universitário e especialista em relações internacionais, Pedro Andrade Matos, disse que a declaração da cimeira da ilha de Príncipe recomenda a mobilidade de jovens e a promoção do programa de intercâmbio com o objetivo de reforçar o diálogo e a troca de experiências, por isso exortou que a Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP) precisa reorientar a sua posição no cenário internacional diante da atual dinâmica geopolítica.
“A relevância da comunidade é baixíssima a nível global, quando se observa a sua atuação. A CPLP tem-se tornado um espaço de muitas conferências e discursos com poucos resultados concretos para aquilo que seria o propósito de ser uma comunidade de povos. Ainda é uma comunidade para poucos, quando observamos, inclusive o Acordo de mobilidade”, afirmou o especialista cabo-verdiano em relações internacionais e professor na Universidade de Santiago de Cabo Verde, durante a entrevista exclusiva ao Jornal O Democrata para falar do tema “Juventude e Sustentabilidade na CPLP” escolhido para a Cimeira dos chefes de Estado e do Governo da CPLP realizada no domingo, 27 de agosto, na cidade de Príncipe.
O especialista assegurou que a cimeira reconheceu a importância da juventude e sustentabilidade para a promoção do desenvolvimento sustentável dos Estados-membros. Revelou, neste particular, que a juventude africana não está satisfeita com a baixa oportunidade económica e a situação política pouco favorável às demandas juvenis, razão pela qual procuram a emigração, com o objetivo de melhorar as condições de vida e melhores oportunidades dos mercados.
Sobre o que estaria a dificultar a implementação efetiva do acordo de mobilidade que causou muitas expectativas ao povo, particularmente nos países como a Guiné-Bissau e Portugal, explicou que há várias barreiras à circulação, sobretudo entre estes dois países. Lembrou que Portugal havia se comprometido em trabalhar junto às autoridades guineenses para a eliminação progressiva dessas barreiras.
“Portugal tem que respeitar as pesadas regras de segurança no âmbito da União Europeia. Não é uma coisa que dependa apenas de Portugal. Depende também da Guiné-Bissau, do fortalecimento das suas instituições, de um ambiente político favorável”, salientou.
O Democrata (OD): A cidade de Príncipe acolheu este domingo, a Cimeira dos Chefes de Estado e Governo da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP), sob o lema “Juventude e Sustentabilidade na CPLP”. O que se pode esperar desta cimeira, sobretudo no concernente à situação da juventude abalada pelo fenómeno da emigração “clandestina” e em algumas zonas é corrompida por organizações criminosas e terroristas…
Pedro Andrade Matos (PAM): A cimeira reconheceu a importância da juventude e da sustentabilidade para a promoção do desenvolvimento sustentável dos Estados-membros.
De fato, os países-membros têm uma população jovem, sobretudo os africanos, quando olhamos para Moçambique, Angola, Guiné-Bissau. A juventude é uma potência subaproveitada por esses Estados, em razão da ausência de políticas públicas efetivas e direcionadas aos jovens, sobretudo a criação de empregos de qualidade que valorizem essa população cada vez mais capacitada. Por outro lado, acaba revelando a força política que têm, se agirem de maneira consciente nas suas cidades e comunidades.
A juventude africana não está satisfeita com a baixa oportunidade económica e a situação política pouco favorável às demandas juvenis. Por isso, procuram a emigração, com o objetivo de melhorar as condições de vida e terem melhores oportunidades dos mercados.
Vendo esses jovens capacitados e com grande potencial a emigrar é um péssimo sinal para o futuro desses países, que ficam sem recursos humanos capazes de gerar riqueza e outras valências para diminuir as desigualdades socioeconómicas e construir uma sociedade cada vez mais sustentável.
Não há sustentabilidade sem os jovens, sendo eles os moldadores do presente que vão produzir efeitos positivos ou negativos para as gerações vindouras. Os países africanos têm tido baixo desempenho nos objetivos do desenvolvimento sustentável. O ano 2030 está a chegar e a maioria dos países não está em condições políticas e econômicas para atingir as metas, em razão da corrupção, instituições fracas, economia baseada nos setores minerais e controlada por instituições extrativas.
OD: São Tomé e Príncipe assume a presidência rotativa da CPLP a partir desta cimeira. O que se pode esperar da presidência desta pequena ilha abalada pela situação da violação dos direitos humanos, à semelhança de outros países membros, como a Guiné-Bissau, a Guiné-Equatorial e Angola?
PAM: É uma grande oportunidade, sobretudo para um país que tem uma riqueza natural enorme, tão formidável para trabalhar a sustentabilidade, bem como uma população jovem capaz de desempenhar um papel determinante no desenvolvimento económico. Acredito que São Tomé vai aproveitar esta presidência para também fortalecer as suas instituições, mostrar aos demais membros da comunidade que é uma democracia relevante no contexto da CPLP. Há democracias na CPLP, isso é um facto. A entrada da Guiné-Equatorial acabou por chacoalhar essa característica, pois tinha a pena de morte na sua Constituição. Embora removida, está longe de ser uma democracia.
Outros países, também da comunidade, não gozam de um ambiente democrático pleno. A própria Guiné-Bissau, Angola, com quadros preocupantes de abusos aos direitos humanos. O próprio Brasil, referência democrática, testemunhou uma desmontagem dos direitos humanos com o governo anterior. Afinal, a democracia não é apenas a realização de eleições. Em quais condições, contextos, garantias, se dão estas eleições importam.
OD: O que deve constituir a prioridade da presidência de São Tomé e Príncipe, entre impulsionar os aspetos económicos com projetos de grandes dimensões a favor da comunidade ou a dinamização do acordo de mobilidade assinado e ratificado por todos os países membros, mas que apenas está a ser implementado por três países, Cabo Verde, Portugal e Moçambique…
PAM: À presidência são-tomense também terá que impulsionar o debate neste tema. A declaração da cimeira recomenda a mobilidade de jovens e promoção do programa de intercâmbio com o objetivo de reforçar o diálogo e a troca de experiências. Todavia, a CPLP precisa reorientar a sua posição no cenário internacional diante da atual dinâmica geopolítica.
A relevância da comunidade é baixíssima a nível global, quando se observa a sua atuação. Tem-se tornado um espaço de muitas conferências e discursos com poucos resultados concretos para aquilo que seria o propósito de ser uma comunidade de povos. Ainda é uma comunidade para poucos, quando observamos, inclusive o Acordo de mobilidade.
É lógico que não haverá barreiras para a entrada de jovens profissionais habilitados em áreas relevantes, ou para os operadores culturais, empresários. O corpo diplomático dos países já contava com um tratamento especial. Normal. O grande desafio da comunidade que será repassado à presidência são-tomense é transformar a CPLP realmente numa comunidade de povos, sem barreiras, sem discriminação.
OD: Que avaliação faz deste acordo, de uma forma geral e o porquê do seu não cumprimento ou aplicação em outros estados, particularmente entre a Guiné-Bissau e Portugal, caso concreto…
PAM: É importante entender que Portugal, na CPLP, é a porta de entrada para Europa. Portugal possui também outras obrigações perante a União Europeia, cujos Estados-membros têm adotado, nos últimos anos, políticas anti-imigração. Portugal, então, molda o Acordo conforme a legislação interna e das orientações da União Europeia nesse tema.
OD: Esta é uma iniciativa que causou muitas expectativas nas populações, sobretudo dos profissionais, entre professores, empresários e investigadores. O que está a dificultar a sua aplicação entre a Guiné-Bissau e Portugal, por exemplo?
PAM: Há várias barreiras de circulação, sobretudo entre esses dois países. Portugal havia se comprometido em trabalhar junto às autoridades guineenses para a eliminação progressiva dessas barreiras. Portugal tem que respeitar as pesadas regras de segurança no âmbito da União Europeia. Mas, não é uma coisa que dependa apenas de Portugal. Depende também de Guiné-Bissau, do fortalecimento de suas instituições, de um ambiente político favorável para os governos cumprirem os seus programas, para que também os guineenses possam escolher entre permanecerem no país ou emigrarem.
A emigração não pode ser vista pelos nossos jovens como a única solução, diante de uma realidade cada vez mais desafiadora nos países de origem: jovens sem empregos, sem oportunidades, sem sonhos. Ademais, o Acordo precisa também de instituições, recursos humanos e recursos financeiros de ambos os países. É lógico que o Acordo de Mobilidade pressupõe ajustes conforme os desafios económicos e políticos dos países.
OD: Fala-se da sustentabilidade da juventude que é o lema principal da cimeira. Há 27 anos da criação desta organização não se vê projetos concretos financiados por esta organização a favor da juventude. Que mecanismos devem ser acionados para a sustentabilidade da juventude, aliás, que constitui a maioria nas taxas de desemprego nos países membros?
PAM: O primeiro mecanismo são as oportunidades econômicas e sociais para os jovens. A transformação virá a partir de jovens empoderados econômica e politicamente, que confiam nas políticas e nos operadores políticos, de modo a investirem os seus talentos na melhoria da vida individual, familiar e comunitária.
Segundo é trazer a juventude para a mesa de negociações. A juventude, muitas vezes, está na vanguarda da conscientização sobre questões ambientais e de sustentabilidade. Eles têm demonstrado uma capacidade notável de levantar questões cruciais, como mudanças climáticas, perda da biodiversidade, a poluição e justiça ambiental.
Os jovens, muitas vezes, trazem uma perspetiva fresca e criativa para os desafios de sustentabilidade. Eles estão mais abertos a novas ideias, tecnologias e abordagens que podem ajudar a encontrar soluções inovadoras para problemas ambientais. Startups lideradas por jovens têm trabalhado em projetos que visam promover a eficiência energética, a reciclagem, a conservação da água e muito mais.
Por fim, a juventude é a próxima geração de líderes, tomadores de decisões e responsáveis pelo futuro do planeta. Eles herdarão os impactos das ações atuais em termos de sustentabilidade. Portanto, é fundamental que estejam envolvidos no diálogo e nas decisões que moldam as políticas e práticas futuras.
OD: Um dos assuntos debatidos nesta cimeira foi o lançamento e consolidação do pilar da cooperação económica e empresarial, proposto por Angola. Na sua opinião, que mecanismos devem ser seguidos para lançar o aspeto econômico na CPLP?
PAM: Penso que já está lançado, inclusive a entrada da Guiné-Equatorial só fez sentido pelas valências económicas, essencialmente os recursos minerais. O grande desafio é o que os grandes membros querem da CPLP. Por exemplo, como o Brasil projeta a sua política externa através da CPLP. A sua influência externa. Vejo o Brasil com mais interesse e investimentos diplomáticos e financeiros no grupo BRICS do que na CPLP, porque o BRICS consegue projetar o Brasil num xadrez internacional muito mais interessante, inclusive para disputar um Assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
OD: A CPLP é criticada, a nível da comunidade, que é uma organização que ficou no papel e que nem sequer consegue reunir os consensos sobre grandes assuntos, por exemplo, o acordo de mobilidade e o acordo ortográfico da língua portuguesa, este último assinado por todos estados membros e apenas não a ratificaram Angola e Timor Leste. Aliás, temos ainda o caso da Guiné-Equatorial que luta há anos para a implementação da língua portuguesa. Que comentários oferecer-lhe fazer sobre este assunto?
PAM: É a grande incoerência interna da comunidade, que tinha como princípios giratórios: mesma língua, história comum. Mas também a CPLP cresceu. Digo que os países membros cresceram em termos populacionais. Vejamos o caso de Angola e Moçambique, que excetuando o Brasil, são países que influenciarão o próprio rumo da língua portuguesa, com milhões da sua população, com cultura, língua, costumes diversos. Penso ser hora de a comunidade revisar os seus propósitos, e os membros definirem de maneira clara a convergência dos objetivos de suas políticas externas via a plataforma comunitária.
Por: Assana Sambú