
Nos últimos anos, os partidos políticos que governam o país têm denunciado a institucionalização de uma esquadrilha de milícias que tem raptado e violentado cidadãos indefesos, sem que o executivo movesse uma palha. Hoje é incompreensível ver essa mesma gente fugir das suas responsabilidades constitucionais de garantir a segurança a todos os cidadãos e em particular, às instituições da República, perante a militarização das suas instituições.
As forças de segurança e defesa que impediram o juiz conselheiro José Pedro Sambú de sair da sua casa, desde sexta-feira, 3 de novembro de 2023, teve beneplácito do governo, que as ajudou a consumar o golpe institucional no Supremo Tribunal de Justiça. Se não fosse, ter-se-ia pronunciado há muito tempo. Conheço o histórico dos partidos que governaram com o então Presidente da Comissão Nacional das Eleições e posteriormente Presidente do STJ, mas isso não deveria ser motivo para não defender a legalidade e o império da lei que tanto têm defendido, quando estavam na oposição. Não se esqueçam que o Presidente do STJ era titular de um órgão de soberania. Por isso, devia-se cortar o mal pela raiz, dando ordens àquela força alheia para se retirar, caso contrário assumiria as responsabilidades. Não estou a incentivar a violência, mas acho anormal um governo que carrega a legitimidade popular omitir-se da sua função principal, admitindo que forças estranhas atuem em nome do estado.
É uma omissão imperdoável. Hoje o Presidente do STJ foi forçado, por esta suposta força, a renunciar. Prepararem-se que depois de consolidadas as razões deste golpe baixo, talvez amanhã outro responsável de um órgão de soberania seja impedido de rir ou chorar na sua própria casa, tal como aconteceu com Sambú. No país, repetem-se histórias. Há dois anos uma encenação política fez o então Presidente da ANP, Cipriano Cassamá, chegar simbolicamente a Presidente da República, cargo que renunciaria dias depois.
Este STJ envergonha-nos a todos e descredibilizou a classe jurídica, tal como aconteceu com outras classes, incluindo a classe a que faço parte. Os dados estão aí: foi este STJ que legitimou o governo de Baciro Dja, foi este STJ que ficou com um processo eleitoral quase um ano, por pouco ia meter o país em guerra, foi esse STJ que depois do falecimento do juiz conselheiro Saído Balde forçou a eleição de José Pedro Sambú, mesmo sabendo que este não chegou a tomar posse como juiz conselheiro, etc, etc.
A justiça é o âmago da democracia e do Estado de Direito Democrático, e se ela for transformada num terreno fértil de disputas políticas para atingir fins inconfessos, afunda-se, perde a credibilidade social e abre o caminho para a implementação da lei da selva.
É preciso trabalharmos para credibilizar as instituições judiciais e fortificar as instituições da República na Guiné-Bissau, de modo a consolidar o Estado de Direito Democrático. Outrossim, é urgente uma mobilização popular para estancar esta hemorragia jurídica no Supremo Tribunal de Justiça, mas para que isso aconteça é necessário que os nossos governantes ponham em prática o juramento constitucional que fazem ao tomarem posse: Defender a Constituição e demais Leis da República.
Por: Tiago Seide
Professor e Jornalista