Caso resgate de empresas: ECONOMISTA CRITICA GOVERNO POR BENEFICIAR CERCA DE 80 PORCENTO DE EMPRESÁRIOS DO REGIME NO PODER

Um economista guineense, Afonso Gomes criticou duramente a iniciativa do governo de beneficiar cerca de 80 porcento de empresários ligados a Coligação Plataforma Aliança Inclusiva – PAI – Terra Ranka, acrescentando que, do ponto de vista económico, a iniciativa do governo de pagar seis biliões a 11 empresas que têm dívidas com o Banco Oeste Africano (BAO) não tem “nenhuma pertinência”, porque “neste momento o país depara-se com grandes dificuldades até para pagar salários e fazer face às despesas sociais, nomeadamente na educação e no setor da saúde”.

“Comprometer-se em desembolsar um valor tão exorbitante para beneficiar um setor não produtivo, não faz sentido”, insistiu, sublinhado que se essa verba fosse alocada, por exemplo, ao Ministério da Agricultura para criar condições para resolver os problemas sociais, estaria a dizer que talvez essa decisão fosse pertinente.

“CABE AO MINISTÉRIO PÚBLICO ESCLARECER À OPINIÃO PÚBLICA SE HÁ OU NÃO DÍVIDAS”

“Portanto, não é pertinente, nem do ponto de vista económico, nem do tempo. Porque o que se pretende neste momento é dar sinais positivos de estabilidade do país, criar confiança e credibilidade para que os investidores possam escolher a Guiné-Bissau para alocar os seus recursos e as suas poupanças e criar condições económicas”, disse.

Questionado se os critérios usados para selecionar as empresas beneficiárias foram equilibrados, o economista respondeu que cabe ao ordenador principal estabelecê-los   e tomar decisões, mas disse duvidar se os critérios foram justos, porque “quase 80% dos titulares das empresas selecionadas fazem parte da coligação que governa o país neste momento”.

Lamentou que o governo tenha sido bastante seletivo nos seus critérios, lembrando que numa economia não pode, nem deve haver critérios seletivos, “talvez esses credores sejam os mais antigos do Estado”.

“A única explicação que ouvimos do ministro da Economia e Finanças na Assembleia Nacional Popular foi que precisavam estruturar o BAO, vender as suas ações e depois libertar-se do banco. Mesmo com esse critério não se justificava a decisão, porque quase 80% dos empresários são do regime, alguns são deputados da nação, inclusive o secretário de estado do tesouro. Numa economia de mercado, essa é uma prática que não se verifica em nenhuma parte do mundo, portanto os critérios foram mal estabelecidos”, criticou.

Afonso Gomes não soube precisar se há ou não dívidas com essas empresas, mas fez fé nas palavras do ministro Suleimane Seidi quando este disse que essas empresas são credoras do Estado, “mesmo havendo dívidas, o momento não é propício, sobretudo não se tratando de empresas do setor produtivo”.

Defendeu que é necessário trabalhar com setores capazes de produzir para a formação de capital e alterar o estado da situação da pobreza em que a grande parte da população guineense se encontra, e cabe ao Ministério Público, enquanto detentor da ação penal, esclarecer a opinião pública se há ou não dívidas.

Disse que se tivesse que definir os critérios de seleção, teria que  verificar se  a lógica de pagamentos  não criaria perturbação social, como está  a acontecer neste momento na sociedade guineense, teria cuidado   de fazer negócio comigo próprio, porque “a grande parte das empresas selecionadas  tem ligações fortes com a coligação que suporta a governação  e logo aqui, moral e eticamente não funciona, ainda que as operações sejam legais, não teria tomado esse tipo de critérios  para selecionar aquelas empresas “.

“Quero acreditar que há centenas de empresas que devem ao Estado, ao banco neste caso, mas o meu primeiro critério seria colocar em primeiro lugar tudo aquilo que podia reverter-se no desenvolvimento económico, sobretudo o setor produtivo do nosso país. Esse é o critério fundamental, depois vem a idade da dívida com o Estado”, sublinhou e disse que as grandes falhas nessa transação são do ponto de vista económico, social e político.

“Em um episódio recente, os panificadores tiveram que reduzir o preço do pão de 200 para 150 francos CFA´s em nome da população que sofre. Se uma classe pobre consegue sentir essa pressão que a população tem, por que razão o governo não pensou nessa possibilidade e decidiu alocar uma soma avultada à disposição de algumas empresas, que quase do regime. Aí sim há falhas neste sentido”, afirmou.

Questionado se concorda com ministro da Economia e das Finanças quando este disse que a prática é recorrente, legal e normal, Afonso Gomes chama atenção que “isso não significa que quando outro pratica eu também tenho que fazer a mesma coisa, não”.

“Concordo que é uma operação normalíssima, legal e é matéria da sua competência. A questão que se pode levantar à volta dessa operação é do ponto de vista ético e moral fazê-lo. Fê-lo bem, dentro das suas competências, mas justificava?”, disse, defendendo que o país precisa, neste momento, de resolver os problemas urgentes, não colocar grandes somas de dinheiro num setor que não produz.

“Nem conseguimos ainda ter soluções para as safras de 2022/2023 e estamos à porta das safras de 2023/2024. Não criamos condições para isso, mas estamos a colocar esses valores numas empresas que parecem mais propagandistas do que empresas que tenham economias a funcionar devidamente”, disse.

 O economista considerou “grave” a declaração do ministro da economia e das finanças de que nem todas as empresas que beneficiaram deste dinheiro têm contas auditadas.

“O que ele disse na ANP é que algumas empresas tiveram, através de auditorias de contas feitas pelo Tribunal de Contas, o visto de contrato com o Estado, mas nós sabemos como funcionam as instituições na Guiné. O próprio Tribunal de Contas, salvo a investigação sobre a utilização dos fundos da Covid-19, nunca levou um processo a nada”, denunciou.

Frisou que as auditorias dos técnicos do Tribunal de Contas (TC) deixam muito a desejar ou porque falta-lhes técnicos, “infelizmente não sei o que se passa lá, mas não há um único processo do TC que tenha chegado ao fim”.

“Mesmo as empresas auditadas que beneficiaram dessa verba, não são suficientes. Tem de se encontrar e descobrir se existe ou não o objeto de contrato que beneficiou do visto. Porque posso comprometer-me com o Estado em fornecer isto e mais aquilo para obter visto do contrato, mas na prática não forneço nada nem presto serviço nenhum ao Estado”, alertou.

Disse que o argumento avançado pelo ministro da economia e das finanças de que a decisão do governo de pagar as 11 empresas terá sido tomada com base nas orientações do Fundo Monetário Internacional (FMI) não tem um enquadramento, nem técnico nem a ligação que faz com o FMI.

“O FMI poderá, sim, aconselhar um governo ou uma empresa a vender as suas ações, mas nunca obrigar ou dizer a um governo, seja lá uma empresa, a realizar uma operação de endividamento para poder pagar os vendedores de um banco para poder libertar-se   das suas ações, nunca. Do ponto de vista negocial com os compradores das ações do governo no BAO é insuficiente a explicação do ministro”, negou.

“Vendo as ações para ganhar, não para me endividar. Um banco vale aquilo que tem como valor da sua ação e quem compra o banco, compra também isso, faz avaliações, compra as ações, incluindo as dívidas que o banco tiver. Alguém vende uma coisa porque precisa de capitalizar qualquer coisa. Não posso vender as minhas ações para depois endividar-me e depois vender. Tecnicamente não funciona assim. Se há técnicos que assessoraram o governo neste aspeto, é o momento de rever os procedimentos”, aconselhou.

Por: Filomeno Sambú          

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