A Guiné-Bissau é o país com mais número de pessoas infetadas com o VIH/Sida na África Ocidental com uma prevalência de mais de dois por cento, registando igualmente mais de mil mortes por esta enfermidade anualmente, de acordo com os dados disponíveis das autoridades, contudo o país perspetiva reduzir este número de mortes para, pelo menos, até 200 pessoas anualmente até o ano 2030.
Os dados de 2023 consultados pelo Democrata indicam que o país conta com 34 mil pessoas com VIH/Sida e que deste número mais de dois mil são crianças menores de 15 anos de idade. E de acordo com os dados da ONUSIDA, em 2022, morreram por VIH/Sida na Guiné-Bissau 1.183 pessoas.
O Democrata realizou uma reportagem sobre a prevalência da SIDA na Guiné-Bissau, no âmbito da celebração do dia mundial de luta contra VIH/Sida, que se assinala a 01 de dezembro. Uma luta quase perdida pelas autoridades guineenses que não souberam dar respostas eficazes na base do plano estratégico nacional de combate contra a sida elaborado pelo executivo.
Uma equipa de reportagem ouviu os responsáveis das organizações que estão na linha de frente para no combate a esta efemeridade e que foram unânimes em criticar o disfuncionamento das estruturas centrais do combate à SIDA na Guiné-Bissau, bem como a falta de resposta do governo através do financiamento de ações das organizações para a luta contra a doença por meio dos programas de prevenção, afirmando que apenas se registam, neste momento, atividades do tratamento da SIDA financiada pelo fundo mundial.
As pessoas interpeladas sobre a situação da propagação desta efemeridade na Guiné-Bissau são a Secretária Nacional do Secretariado de Luta contra a Sida, Fatoumata Diaraye Diallo, o diretor nacional da ONG Enda Santé, Mamadu Aliu Djaló, uma organização que apoia no combate ao VIH/Sida no país e da presidente da RENAP-GB, Maria de Fátima Lopes, uma ativista engajada na luta para os direitos das pessoas viventes com a SIDA e contra a estigmatização dessas pessoas.
BISSAU TEM NÚMERO ELEVADO DA PREVALÊNCIA DO VIH/SIDA NO PAÍS
A Secretária-Executiva do Secretariado Nacional de Luta Contra a Sida (SNLS), Fatoumata Diaraye Diallo, explicou a ‘O Democrata que uma das prioridades do executivo, no âmbito do plano estratégico nacional de luta contra a sida, é trabalhar afincadamente para a redução de novas infeções, frisou que é impossível reduzir as novas infeções sem os trabalhos de sensibilização para a prevenção da doença.
“Por isso é que defendemos que devemos retomar os trabalhos de prevenção através da sensibilização de pessoas sobre a existência da doença e as formas da prevenção. Devemos sensibilizar as pessoas para fazerem os testes a fim conhecerem os seus estados serológicos. As que não estão infetadas que continuem a prevenir-se da doença e, colocando todas as informações a sua disposição sobre os mecanismos de prevenção. Aqueles que são confirmados que têm o VIH/Sida que comecem o tratamento, porque já se provou que o tratamento é uma das formas de prevenção. Tomando medicamentos corretamente e durante um certo período de tempo, acaba por não se ver mais os bichos da sida no sangue, não se podendo assim de transmitir a doença”, notou.
Explicou que para além da redução de novas infeções, outras prioridades definidas pelo executivo no plano estratégico nacional de luta contra a sida, é a redução de mortes por VIH/Sida, reduzir a transmissão de mãe para o filho do vírus da Sida que está um pouco elevada, combater a estigmatização contra as pessoas portadoras do sida e o último que se pode referir é a governança que deve assumir a sua responsabilidade na resposta nacional sobre a doença do VIH/Sida na Guiné-Bissau.
Em relação ao número de pessoas que morrem anualmente desta doença, disse que mais de mil pessoas morrem da doença no país. Segundo a responsável do SNLS é um número muito elevado que o executivo quer reduzir até 200 pessoas por ano. E referente a transmissão da mãe para o filho, o país tem uma cobertura de 60 porcento.
Lembrou que em 2014, o país tinha uma cobertura de 70 a 80 porcento, registando uma taxa de 10 por cento e que hoje a taxa de transmissão subiu para 22 por cento. Acrescentou que o país tem que redobrar os esforços no que concerne a prevenção da transmissão vertical, ou seja, da mãe para o filho. Segundo a sua explicação, é um dos maiores desafios do secretariado e do programa nacional e todos os parceiros através de estratégias eficientes de combate a transmissão vertical.
Explicou que uma das causas que fez com que o país voltasse para trás no quadro da luta contra a sida, se deve entre outras causas, à falta de funcionamento das estruturas governamentais e particularmente, do Conselho Nacional de Luta contra a Sida, que não reune desde 2015.
“Na reunião deste órgão que agrupa o governo, a sociedade civil, o setor privado e as agências das Nações Unidas onde se colocavam todas as preocupações e cada um assumia um eixo. Registava-se um trabalho conjunto que dava resultados eficazes” contou, acrescentando que outra razão é a perda da gestão do fundo que era disponibilizado para o combate a doença pelo fundo mundial e que agora está a ser gerido pela célula de gestão do PNDS no ministério da Saúde Pública.
“A prioridade do fundo é apoiar os testes e o tratamento da doença. Para já não se verificam os trabalhos de sensibilização que ajudaram muito na prevenção da doença no passado”, contou, avançando, neste particular, os dados da prevalência da doença na Guiné-Bissau de 2022, que é de 2,8 porcento. De acordo com a sua explicação, diminuiu em relação aos anos anteriores”, notou, acrescentando que não dispõem de dados concretos atualizados sobre a prevalência, mas frisou que a cidade de Bissau tem maior número de prevalência do VIH/Sida.
“PLANO ESTRATÉGICO DE SIDA CONSEGUIU 50 POR CENTO DO VALOR TOTAL DO SEU FINANCIAMENTO” – ENDA SANTÉ
O diretor nacional da Organização Não Governamental – Enda Santé, Mamadu Aliu Djaló, disse que a estagnação dos mecanismos e ações de luta contra VIH/SIDA na Guiné-Bissau é reflexo de como o setor da saúde está a ser dirigido, porque “há uma desorganização a nível da cúpula, falta de funcionamento de alguns órgãos ou estruturas ligadas diretamente na resposta à doença”.
Revelou que o Conselho Nacional de Luta contra a SIDA não está a funcionar há vários anos e o Secretariado Nacional de Luta contra a SIDA funciona com muitas deficiências e “quando a estrutura de coordenação enfrenta problemas de funcionamento, a coordenação torna-se um desafio, o espaço de concertação apresenta-se como um problema e os constantes períodos de instabilidades na governação também não ajudam, porque as pessoas indicadas para dirigir as estruturas que existem são movimentadas constantemente”.
Mamadu Aliu Djaló afirmou que o financiamento do Plano Estratégico de Luta Contra Sida na Guiné-Bissau está muito abaixo do esperado, tendo adiantado que o último plano que termina em 2023 teve apenas um financiamento de 50% do valor total de mais de 60 milhões de euros estimado para cobrir as respostas a VIH/SIDA.
“Quando se faz apenas cobertura de menos de 50%, leva a que muitas ações e planos fiquem estagnados”, precisou.
Outro fator apontado por este ativista tem a ver com a falta das medidas de prevenção que diz terem-se reduzido bastante, porque “as nossas autoridades priorizaram mais o tratamento do que a prevenção”.
“Os apoios que o Fundo Mundial de Luta contra a SIDA, da Tuberculose e da Malária dão para a Guiné-Bissau, mais de 50% dessa ajuda é canalizada para a compra de produtos de tratamento do vírus. Estima-se que na Guiné-Bissau, 34 mil pessoas estejam a viver com VIH/SIDA e 74% conhece o seu estatuto serológico, segundo os dados de dezembro de 2022. Deste número, apenas 61% está em tratamento, mas para conhecer o seu estatuto serológico precisa de ser sensibilizado e aceitar fazer o teste. A meta de 2030 estima que esses dados atinjam 95%”, indicou.
O ativista defendeu que é fundamental definir as prioridades, relativamente à prevenção, ao tratamento, aos grupos e às regiões prioritárias.
“O plano estratégico está claro quanto aos grupos e às regiões prioritárias. Quínara, por exemplo, é uma das regiões prioritárias de intervenção no setor de saúde para o VIH/SIDA, está no documento estratégico, mas que investimentos foram feitos em Quínara?” indicou, apontando ainda Bissau, Bafatá e Oio como das zonas prioritárias, tanto na prevalência como noutros desafios.
Reconheceu que o país não tem um plano operacional que possa executar no terreno e que o financiamento doméstico é muito fraco, tendo defendido que para inverter essa situação, a Guiné-Bissau terá que definir as suas prioridades, não ir a reboque das prioridades dos outros países, nomeadamente organizar as estruturas de gestão e de coordenação a nível da governação e tomar decisão na base das evidências que existem no terreno.
Aconselhou a população a passar de um ator passivo para um ator ativo, contribuir e participar no processo de mudanças nas comunidades, não continuar permanentemente como uma estrutura beneficiária de mudanças.
Negou que o tratamento da doença tenha seja, porque “o Estado não assumiu a gratuidade do tratamento. Se os financiadores decidirem abandonar o país, os cidadãos passarão a comprar os medicamentos, portanto não é gratuito e não acredito que haja tratamento gratuito de uma doença na Guiné, infelizmente. Mesmo o tratamento do paludismo não é gratuito, porque há quem paga isso”.
O diretor nacional da Enda Santé defendeu que o Estado guineense deve começar a valorizar as organizações determinadas e comprometidas com o processo de desenvolvimento e o bem-estar da população, bem como abrir portas para que possam participar na elevação no nível do sistema nacional de saúde, porque “mesmo nos Estados Unidos da América, na Suíça…temos ONG´S a funcionar”.
“Os trabalhos que os hospitais e centros de saúde fazem ficam dentro de quatro paredes, mas a maioria da população está fora das estruturas de quatro paredes. O Estado deveria prever nos seus orçamentos anuais, fundos de apoio às organizações ou estruturas que trabalham no terreno com as comunidades vulneráveis, subvencionar e investir no reforço da capacidade das organizações da sociedade civil e das ONG´S, que intervêm no setor da saúde”, defendeu, lembrando que um dos exemplos de comparticipação do Estado seria o de isenção das taxas às OGN´S como fez recentemente.
Apesar da crise da pandemia da Covid-19 que afetou a Guiné-Bissau e o mundo, o diretor nacional da Enda Santé disse que a taxa de prevalência de VIH/SIDA no país baixou em muitos grupos da população guineense, as metas para 2030 aceleraram, mas “não quer dizer que a pandemia não abalou a resposta nacional, porque ao longo do período da vigência da Covid-19, o VIH/SIDA não foi prioridade”.
“A pandemia permitiu ao país reforçar o seu sistema nacional de saúde e biliões de francos CFA foram injetados para fazê-lo. Houve a aquisição de equipamentos novos e capacitação dos recursos humanos, sobretudo as redes de laboratórios foram reativadas. A Covid-19 foi uma oportunidade para o nosso sistema nacional de saúde, pena é que nenhum proveito tiramos dessa oportunidade”, criticou.
Questionado sobre que mecanismos devem ser adotados para travar a propagação do VIH/SIDA, Mamadu Aliu Djaló defendeu a organização das estruturas dos órgãos de governação do setor da saúde, sobretudo os órgãos implicados na resposta a VIH/SIDA, organizar o sistema nacional de saúde para que seja participativo e inclusivo, integrando as clínicas e “o próprio sistema de saúde militar faz parte do sistema nacional de saúde”.
“Os ministérios do ambiente, da agricultura e serviços veterinários e da saúde animal fazem parte. Se tudo isso for tido em consideração, aí sim avançaremos e poderemos melhorar o quadro do nosso sistema nacional de saúde”, insistiu.
“DADOS DA PREVALÊNCIA DO VIH/SIDA DEVE PREOCUPAR TODOS OS GUINEENSES” – RENAP-GB
A presidente da Rede Nacional de Defesa das Pessoas Viventes e não Viventes com VIH- SIDA, (RENAP-GB), Maria de Fátima Lopes Machado, explicou que a situação da doença da SIDA na Guiné-Bissau é muito preocupante, sobretudo para as pessoas viventes com a doença, que levou a criação desta rede em 2007, cujo objetivo principal é defender os direitos das portadoras da doença e também as pessoas não viventes com o sida que são associadas da rede.
“Na verdade, fizeram-se muitos trabalhos pelos criadores da rede e notou-se uma melhoria e avanços na lei nº5/2007, uma lei que protege as pessoas viventes com o VIH/Sida. E graças aos esforços coordenados de diferentes intervenientes do país foi possível recebermos o apoio do fundo mundial e algumas ajudas de outros parceiros internacionais como também medicamentos para tratamento. Infelizmente, continuamos a registar descriminações a nível da sociedade, inclusive nas estruturas de saúde um pouco por todo o país, que leva as pessoas testadas positivo em dificuldades de aceitarem os seus estatutos e seguir com o tratamento da doença”, disse.
Maria de Fátima Lopes Machado afirmou que a lei nº5/2007, criada em defesa de pessoas viventes com a doença da sida é praticamente desconhecida pela sociedade, porque não se fez um trabalho para a divulgação desta lei que leva já 16 anos desde a sua criação e sem a sua implementação. Acrescentou que este ano se fez a revisão desta lei no sentido de melhorá-la, mas enfatizou que “nós estamos esperançados que desta vez, a lei vai ser executada e que não seja mais uma lei feita e engavetada sem nenhum efeito na sociedade”.
A ativista assegurou que os dados da prevalência do VIH/Sida na Guiné-Bissau devem ser uma preocupação de todos os guineenses e não apenas da sua organização ou das autoridades, porque continuam a registar-se novas infeções, crianças expostas ao VIH/Sida e mortes ligadas a doença da Sida, que segundo a sua explanação, alguns países conseguiram ter controlo sobre a doença e reduzir as mortes por esta doença.
Assegurou que não tem dados oficiais sobre a doença na Guiné-Bissau, mas pelas informações que dispõe a Guiné é o país com maior prevalência desta doença, contudo frisou que ” infelizmente, as autoridades não estão a fazer nada para estancar a propagação da doença que agora se alastra em todas as camadas da sociedade”.
Sobre as organizações que integram a rede, disse que a rede conta com 15 associações afiliadas, das quais sete no setor autónomo de Bissau e oito nas regiões, ou seja, em cada região tem uma organização.
Relativamente à limitação de ações de sensibilização para a prevenção da doença em comparação com anos anteriores, reconheceu que na verdade agora não se vê as ações de sensibilização sobre a existência da doença e as formas de prevenção, porque os parceiros deixaram de financiar os programas das ações de sensibilização e apenas se preocupam com o tratamento das pessoas infectadas.
“Atualmente o único parceiro que financia o programa da Sida é o Fundo Mundial, que concentra as suas ações no tratamento da doença, deixando de lado os programas de prevenção. Infelizmente é duro dizer isso, mas os sucessivos governos que passaram nesta terra não disponibilizaram nenhum franco para o combate e a prevenção da doença do VIH/Sida, é por isso que o parceiro dita a sua regra sobre o seu fundo”, criticou.
Maria de Fátima Lopes Machado defende que antes de concentrar todas as ações no tratamento da doença de forma desnecessária seria melhor reunir esforços no trabalho da sensibilização para prevenção e, consequentemente, travar a propagação da doença. Frisou que a prevalência se situava na ordem de 3.2 e atualmente se fala que este número baixou para 2.5, mas não se pode explicar de forma concreta se a prevalência baixou-se e se baixou apenas nas grávidas, em que camada ou a nível da sociedade em geral”.
“Já estamos cansados desta situação. É urgente o governo assumir a sua responsabilidade de cuidar de seus próprios cidadãos, no tratamento e nas ações da prevenção, porque se prevê que até 2030, devemos eliminar a transmissão, dado que em 2030, o fundo mundial vai cessar o seu financiamento para o tratamento das pessoas viventes com o VIH/Sida. O que será destas pessoas? Onde está o fundo doméstico que garanta que as pessoas continuem tomando os medicamentos regularmente? Questionou.
Por: Assana Sambú