O ex-Chefe Adjunto de Estado-Maior General das Forças Armadas, António Afonso Té, afirmou que a ação da Brigada de Intervenção e Reserva (BIR) da Guarda Nacional tipifica um dos elementos constitutivos importantes do crime de golpe de Estado.
“Tentar bloquear uma instituição e impedi-la de exercer cabalmente as suas funções afeta relações institucionais. Houve uma rebelião que foi retirar das celas da Polícia Judiciária dois membros do governo e dois staffs, detidos na sequência de uma audição aberta pelo Ministério Público sobre seis biliões pagos a 11 empresas sem ser mandatada para isso e essa rebelião levou ao uso de armas de guerra”, disse o também jurista, António Afonso Té, durante uma entrevista ao Jornal O Democrata para analisar a ação dos elementos das forças da BIR e da resposta das forças especiais do Estado-Maior, criticada por alguns políticos que alegam ser desproporcional.
“GUARDA NACIONAL ESTAVA ARMADA E OS MILITARES NÃO PODIAM IR DE MÃOS A ABANAR NEM DE TANGAS”
O antigo vice-chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas afirmou que em nenhuma circunstância a Guarda Nacional deveria ter assumido atos como este, nem agir por decisões próprias, mas sim submeter-se às instituições da justiça.
Questionado se o confronto de quinta e sexta-feira (30 de novembro e 01 dezembros de 2023) entre elementos da BIR da Guarda Nacional, as forças de segurança da Presidência da República e elementos do exército guineense poderá mexer com as estruturas das forças de defesa e segurança, Afonso Té deixou em aberta essa possibilidade, mas disse que tudo dependerá dos resultados do inquérito a realizar sobre o caso.
“Se o inquérito apontar para uma possibilidade de responsabilidade enorme de quem estava a comandar, deve sentar-se e ficar à espera que as decisões sejam tomadas. Se for ilibado, passa o perigo. Porque quando se quebra a cadeia de comando é preciso que essa cadeia seja reconstituída”, indicou, para de seguida afirmar que não assiste à Guarda Nacional nenhum direito de ir a uma prisão retirar uma pessoa à força, sem que tenha uma decisão oficial para isso.
Questionado ainda se a atuação do Estado-Maior foi desproporcional, respondeu que “não diria que fosse desproporcional, não”.
“O que lhe digo é que há um grupo que fez uma ação que punha em causa o funcionamento das instituições do Estado e uma parte das instituições do Estado mandatada vai eliminar ou resolver o problema através dos meios que tem, porque sabia qual era a missão ou o que estava a acontecer. Quando assim é, devia preparar-se para executar essa missão. Tecnicamente, não é um político que deve dar indicações a um militar para fazer isto ou aquilo e repor a situação. Sabendo que a outra parte estava armada não iria de mãos a abanar, nem de tangas”, esclareceu.
Instado a pronunciar-se se os confrontos do dia 01 de dezembro justificavam a dissolução da Assembleia Nacional Popular (ANP), o líder do PRID disse que o incidente era um sinal de que alguma coisa não estava a bater certo.
“Se isso implicava alguma coisa tão grave ao ponto de o Presidente da República decidir pela dissolução da Assembleia Nacional Popular ou medidas políticas que foram tomadas, isto cabia ao Presidente da República com seu Conselho de Estado que o aconselhou, depois de ter reunido todas as informações necessárias para tomar uma decisão dessa envergadura”, assinalou.
Solicitado a pronunciar-se se a decisão do Presidente da República de dissolver o Parlamento é inconstitucional, de acordo com a Constituição da República, que diz que o Parlamento não pode ser dissolvido 12 meses posteriores a eleições ou acredita que o incidente de 1 dezembro possa levá-lo a tomar essa medida, António Afonso Té afirmou que “não digo que tenha havido um golpe ou uma tentativa de golpe de Estado, mas a ação da Guarda Nacional tipifica um dos elementos constitutivos importantes do crime de golpe de Estado”.
“É preciso que um inquérito seja feito e que se diga se aquela ação pode ser enquadrada numa tentativa de golpe de estado ou não. Adiantou que um golpe de estado acaba com a Constituição e a Assembleia Nacional Popular, como disse o Chefe de estado na sua comunicação, que a guerra de 7 de Junho começou na ANP”, disse, afirmando que todas as confusões no país começaram no Parlamento, porque estão a fazer um ato de aprendizagem da democracia, de um debate aberto em que aqueles que não dominam completamente o assunto, acabam por exagerar.
“Esse exagero pode não ser aceite pela outra parte. Assim as coisas podem ter outros contornos para um conflito armado, se não forem bem geridas, foi o que aconteceu com o Parlamento em 1998. A dada altura as pessoas pensavam que para ser um grande homem da oposição é preciso que insultem os membros do governo e do partido que está no poder”, referiu.
Em relação à decisão tomada pelo Chefe de Estado de dissolver o Parlamento, disse que não tem opinião, porque não dispõe de informações sobre o que aconteceu, acrescentando que o Presidente da República não tomaria aquela medida se não tivesse sido aconselhado pelo Conselho de Estado.
Questionado sobre o cumprimento do prazo de 90 dias para a realização de eleições legislativas antecipadas, António Afonso Té disse que os prazos não foram respeitados nas últimas eleições do país, “porque imaginamos coisas que não podemos”.
“A Guiné-Bissau nunca financiou as suas eleições de maneira que o prazo de 90 dias é difícil de cumprir, porque dependemos de apoio de fora para realizar o escrutínio. Acho que a lei eleitoral deve ser revista neste aspeto para atender a nossa realidade e a força que temos. Há quem possa dizer, porque dissolvemos o Parlamento e depois provocamos as eleições antecipadas se sabemos que não temos condições de financiar as eleições, mas na verdade precisamos de apoio externo. Estamos num processo bastante dinâmico que é a democracia e a gestão do país, assim a qualquer altura as coisas podem acontecer. Quem esperava pela guerra de 7 de junho, o golpe de 12 de abril, o de 01 de fevereiro e esta última que aconteceu no passado 1 de dezembro”, questionou.
Por: Filomeno Sambú/Aguinaldo Ampa