Os imigrantes guineenses que escolheram a ilha de Cabo Verde à procura de uma vida melhor para as suas famílias denunciam o tratamento diferenciado que sentem da parte das autoridades cabo-verdianas que exigem certas condições para a entrada dos cidadãos estrangeiros naquele arquipélago, incluindo os guineenses que são obrigados a adquirir o bilhete de avião de ida e volta bem como pagar uma taxa de 31 Euros junto às autoridades aeroportuárias, correspondente a mais de 20 mil francos cfa.
Ainda de acordo com as reclamações dos emigrantes ao Jornal O Democrata, os seus colegas imigrantes senegaleses e angolanos são mais privilegiados pelas autoridades cabo-verdianas, que no seu entender, deveriam ter um tratamento especial devido às relações históricas e culturais que unem a Guiné-Bissau e Cabo Verde.
“Nós é que ficamos apegados às relações históricas e culturais, mas os cabo-verdianos não dão mínimo interesse nisso, por isso é que nos tratam desta forma. Os cabo-verdianos entram a Guiné-Bissau e não lhes são aplicadas nenhumas taxas de entrada e nem sequer lhes são exigidos convites”, desabafa um emigrante com sentimento de desespero aos microfones da repórter, acrescentando que o acordo de mobilidade assinado a nível da CPLP ou tratado sobre a livre circulação de pessoas e bens da CEDEAO são observados nem respeitados, porque aos cidadãos destas comunidades são lhes cobrados alguns escudos para entrar no território cabo-verdiano.
O imigrante aproveitou a conversa mantida com a repórter para criticar o Estado guineense, que segundo a sua explanação, é o responsável pelo sofrimento dos seus cidadãos e da indiferença a que são submetidos em termos de tratamento da parte das autoridades cabo-verdianas.
MERCADO DE SUCUPIRA DESTINO DE GUINEENSES QUE VIVEM NA PRAIA E ONDE SE VENDE TUDO E MAIS FUTI
Uma repórter do semanário O Democrata esteve nas ilhas de Cabo Verde e concretamente na Praia, participando numa formação. Aproveitou a sua estadia na cidade da Praia para fazer uma reportagem sobre a situação dos cidadãos guineenses que escolheram a ilha para viver e trabalhar. Os imigrantes descreveram a realidade crua que vivem dia-a-dia e os sacrifícios consentidos na esperança de conseguirem uma vida melhor para si e suas famílias na Guiné-Bissau.
A repórter visitou vários pontos ou bairros para se encontrar com os imigrantes guineenses e se inteirar das suas vidas de corrida contrarrelógio à procura de alguns escudos que garantam uma “vida melhor” para as suas famílias na Guiné-Bissau.
Segundo os dados da Alta Autoridade para Imigração, a comunidade guineense em Cabo Verde é superior a 10 mil pessoas, mas, cerca de metade está em situação irregular, ou seja, sem documentos. Ainda de acordo com as informações, a comunidade guineense é a maioria Guiné-Bissau do número de imigrantes que escolhem viver e trabalhar no arquipélago. Deste número, conforme os dados consultados, 35,8 por cento, estão numa situação de irregularidade e que 92,5 por cento querem ter a nacionalidade cabo-verdiana.
A maioria dos guineenses que vivem na capital Praia dirigem-se todos os dias para a famosa feira de Sucupira na zona baixa da cidade), onde vendem, trabalham ou têm alguma coisa a fazer para ganhar a vida e lutar pela sobrevivência do dia seguinte, como também enviar uma parte (remessa) para a família no país natal. Os imigrantes abordados pela repórter, são vendedores, bideiras ambulantes, alfaiates e pedreiros, que deixaram o país natal à procura de melhores condições de vida.
Há guineenses que estão um pouco confortáveis exercendo atividades comerciais no mercado de Sucupira, têm cacifos (pequenas lojas) e nas quais vendem produtos alimentares e outros tipos de produtos. Alguns preferem continuar com a profissão de alfaiate que exerciam na Guiné, através da qual ganham a vida, enquanto outros trabalham no setor do turismo com a venda de peças artesanais.
As mulheres trabalham ou abrem os seus próprios salões de beleza para transar cabelos, outras vendem legumes e produtos nacionais importados da Guiné-Bissau. Neste famoso mercado até é possível encontrar “futi” para pequeno almoço, um famoso prato de pequeno almoço consumido pela maioria dos guineenses que vivem no centro e zonas rurais.
O relatório do Alto Comissariado cabo-verdiano para Migração, aponta que um imigrante guineense que vive em Cabo Verde, envia no mínimo mensalmente uma soma estimada em 10.248 escudos, que corresponde a cerca de 60 mil francos cfa. Os imigrantes entrevistados confessaram que desejam voltar um dia à Guiné-Bissau e desfrutar do seu sacrifício de longos anos de trabalho.
ALFAIATE IACUBA BALDÉ SENTE-SE INTEGRADO NA PRAIA A EXERCER SUA PROFISSÃO
Iacuba Baldé, alfaiate de profissão e camponês, atividades que exercia na Guiné-Bissau antes de migrar para Cabo Verde, explicou na entrevista que desde que chegou a Praia em 2019 tem tido uma vida normal, por ter uma profissão antes de decidir imigrar através da qual trabalha por conta própria.
Baldé vive com o seu sobrinho que lhe ajuda com os trabalhos na alfaiataria, tendo revelado que o espaço que ocupa no mercado é cobrado nove contos por mês. Acrescentou que os materiais com quais trabalha são adquiridos localmente e alguns tecidos são vendidos por chineses e que os senegaleses vendem tecidos africanos, que compram para fazer vestidos que são vendidos aos turistas.
“Os preços dos vestidos variam de acordo com a qualidade do tecido e a moda feita ou solicitada por cliente, neste caso, os com tecidos africanos vendidos pelos senegaleses são as mais caras, custam 900 escudos. E os potenciais compradores dos seus vestidos são turistas provenientes da Europa”, contou.
Em relação à situação de segurança ou ameaça à sua integridade física, Baldé disse que se sente seguro e que exerce a sua profissão sem nenhum problema ou ameaça de qualquer cidadão cabo-verdiano ou as autoridades locais e que às vezes trabalha até a noite.
Contou na entrevista que não se sente discriminado, mas certas vezes, fica com raiva de alguns cabo-verdianos que lhe chamam de “manjaco”. Enfatizou que todo o imigrante guineense é chamado de “manjaco” pelos cabo-verdianos, sem, no entanto, avançar com pormenores sobre as razões por detrás de serem chamados de “manjacos”.
“Fico furioso quando me chamam de manjaco, não me perguntam o meu nome. Aqui todos os guineenses são manjacos ou amigos. É só isso, do resto, sempre tenho na minha cabeça que sou imigrante”, referiu.
Ainda conforme o relatório consultado, existem seis tipos de discriminações mais frequentes na sociedade cabo-verdiana, nomeadamente, cor da pele, língua ou dialeto, religião, naturalidade ou nacionalidade, género e salarial.
Natural da região de Gabú, Iacuba Baldé envia mensalmente para a sua família uma soma de 100 euros (65 mil fcfa), e que às vezes pode superar este valor e dependendo do seu rendimento.
Sobre o acesso ao documento junto das autoridades cabo-verdianas, disse não ter grandes queixas, acrescentando que há muitos guineenses que não se preocupam em atualizar os seus documentos e que criticam que os cabo-verdianos não dão documentos.
“Muitos estão aqui há mais tempo que eu, mas sem residência, alegando que os cabo-verdianos não dão documentos. Os cabo-verdianos dão residência, mas têm as suas exigências. Nós é que temos que ser mais insistentes, porque somos nós que queremos os documentos e não eles”, esclareceu.
Assegurou que o maior entrave para aquisição ou renovação dos documentos e residência é o próprio governo guineense, “porque há muita morosidade na renovação de documentos na Embaixada e às vezes os registos criminais são falsos, portanto estas são as razões e constrangimentos no acesso de documentos junto das autoridades cabo-verdianas, porque não conseguimos entregar documentos a tempo exigido e às vezes os documentos entregues são falsos”.
Baldé criticou as exigências feitas pelo governo de Cabo Verde para a entrada de estrangeiros, revelando que às vezes deportam as pessoas para os países de origem logo na entrada se não apresentarem os documentos exigidos.
“Alguns colegas nossos foram deportados logo ao chegar. Somos da mesma família como dizem, porque é que nos tratam assim!? Essa atitude se verifica mais com os imigrantes guineenses, mas o que mais me dói são as nossas autoridades, que não têm feito nada em relação a situação”, lamentou.
“RENOVAÇÃO DOS DOCUMENTOS AQUI É MAIS UMA “CHUCHADEIRA” DA EMBAIXADA” – EX-MILITAR
Infali Mané serviu o exército guineense até 2012, depois do golpe militar que afastou o ex-primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, migrou para as ilhas de Cabo Verde.
Damata, como é conhecido entre amigos e familiares, explicou que na verdade viver no estrangeiro é difícil, sublinhando que a Guiné Bissau não oferece condições financeira e política para continuar a viver lá.
“Fui escolta do primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior, mas o que vi no meu país não dava para eu continuar como militar. O que sofremos aqui, nenhum outro estrangeiro sofre isso, e achávamos que somos o mesmo povo, porque temos a mesma história. Mas isso, só nós os guineenses é que nos lembramos disso, mas os cabo-verdianos não”, contou.
“Defendemos aqui uns aos outros, perante algumas irregularidades dos agentes policiais, mas vimos coisas contrárias dos outros imigrantes. Por exemplo aqui, se acontecer algo com um senegalês ou angolano, o embaixador vai até ao local para saber e ficar em defesa dos seus cidadãos. Infelizmente, não recebemos este tratamento da parte do nosso embaixador e que até para a renovação de documentos fica a exibir-se”, criticou.
“Já não tenho coragem de viver na Guiné, por tudo que vi lá, é triste. Quero voltar, afinal quem é que não gosta de ficar no seu país? Ninguém”.
Damata tem 48 anos de idade, pai de sete filhos e tem duas esposas, que sustenta todos os dias na Guiné-Bissau, trabalha atualmente como pedreiro e operador de máquina numa empresa, mas no momento da sua folga e principalmente no domingo, trabalha como alfaiate, reajustando as roupas compradas nas feiras populares (lumo) no mercado de Sucupira.
Criticou ainda a morosidade registada na renovação de documentos na Embaixada da Guiné-Bissau, tendo explicado que a renovação de passaporte é cobrada no valor de 12.500 escudos, aproximadamente a 74 mil francos cfa. Frisou que a renovação dos documentos é “chuchadeira” da embaixada.
“Aqui apenas o ar que respiramos é de graça, tudo é carro! Onde moro, pago um valor que corresponde 25.000 fcfa, e todo dia como na rua”, disse.
ANICARINA CANCOLA – EDUCADORA INFANTIL QUE VENDE “FUTI” NA FEIRA DE SUCUPIRA
Anicarina Ludmila Cancola vive há catorze anos em Cabo Verde, é educadora infantil e atualmente faz estágio profissional num dos jardins da cidade de Praia, onde recebe um ordenado mensal de 15 contos, que corresponde a mais de 80 mil francos cfa.
Cancola é também “rabidante – mulher bideira” no mercado de Sucupira, onde vende comida de prato tipicamente guineense (caldos, futi e sumos a base de calabaceira e petiscos). Enfatizou que o dinheiro que ganha permitiu se sustentar e pagar os seus estudos de educadora infantil.
A educadora infantil confessou que viver em Cabo Verde não é fácil, mas afirma que oferece mais oportunidades de ganhar uma vida melhor e viver condignamente.
“Acostumei-me a viver aqui. Fiz 14 anos como imigrante, os primeiros anos, vivi na ilha do Sal, depois entrei para a cidade de Praia. Tenho a minha residência em dia, porque eu não brinco com os meus documentos, porque aqui não é a minha terra” disse.
Relativamente à atualização dos documentos, disse não ter grandes queixas e não obstante a questão da morosidade registada na emissão dos documentos, que segundo a sua explicação, às vezes levam até três meses na renovação do passaporte. Criticou também a forma como são tratadas quando se trata dos documentos e as exigências das autoridades cabo-verdianas.
“Fazem exigências que eles não recebem quando vão para Guiné, agora não dão residência com facilidade, é difícil conseguir documentos aqui nas mãos das autoridades cabo-verdianas tudo porque o nosso país está na situação em que está” lamentou, acrescentando que tem pessoas com mais de 20 anos sem terem residência.
“Eu graças a deus tive sorte, a minha residência saiu desde 2015. Agora o único problema são os meus filhos que são menores para receber o documento, dado que a lei cabo-verdiana não os permite ter documentos até que atingirem os 18 anos de idade”, contou.
Mãe solteira, vive com dois filhos na sua própria casa, disse que manda cada mês 30 contos (170 mil fcfa) para apoiar a sua mãe e sua primogênita em Bissau. Reclamou também das taxas de transferência que segundo disse são altas, por isso recorre ao seu colega guineense para transferir dinheiro à sua mãe.
“O meu colega aqui tem um irmão na Guiné, dou-lhe dinheiro aqui e a minha mãe recebe em Bissau, levanta os produtos alimentares que precisa na taberna deste colega imigrante e recebe também uma parte em dinheiro”, assegurou, sublinhado é desta forma que consigo evitar as taxas exorbitantes cobradas nas transferências.
Por: Epifânia Mendonça, enviada especial