Crónica do Centenário : “Uma luta para ter pão, para ter terra, saúde, justiça.”, Amílcar Cabral.

Luta para ter pão. É o começo de tudo. O ponto de partida. Um povo com fome não tem capacidade para desenvolver iniciativas, ter criatividades. Saku limpu ka ta firma. Ditado criolo. A garantia da comida em quantidade e qualidade, a autosuficiência alimentar, é o primeiro desiderato de qualquer processo revolucionário. 

Cabral era o legítimo depositário da soberania económica através da agricultura. Mais que um agrónomo com vários trabalhos de pesquisa agrária, recolhas de dados sobre a organização social e o sistema produtivo dos povos da Guiné. Espelhado no “Acerca da contribuição dos povos guineenses para produção agrícola  da Guiné,1954, Cabral era, na verdade um intérprete fiel das aspirações da população que tinha o privilégio de estudar.

Terra onde haja pão para todos, “barriga intchi kuden”, parafraseando o gigante da música guineense Maio Coopé, limitou-se a um mero ideal. 

Os sinais fortes da emancipação nas zonas libertadas e nos primeiros anos da independência, rapidamente vaporaram-se no meio de disputas pela salvaguarda dos interesses pessoais. De celeiro, a Guiné passou a ser um mercado para onde são importados tudo, até simples cebola, tomate, alho…!

O povo guineense tornou-se faminto dentro da sua própria terra! Come pouco em quantidade, e péssimo em qualidade. Resultado, a população está doente!

Luta para ter saúde é até aqui, um fiasco. O investimento dos sucessos (des) “governos”no setor da saúde limitou-se à formaçâo dos recursos humanos (a maioria preferindo a emigração na busca de maior valorização e melhores perspetivas na carreira). As condições laborais e infraestruturais no país são péssimas.

Luta para terra. A República da Guiné-Bissau conquistada na árdua luta, está hoje falida dos seus alicerces, isto é, as leis e as instituições funcionais. República em degradação acelerada não atende às necessidades básicas da sua população. O Estado cuidador do que é público/coletivo transformou-se em mera entidade ao serviço dos interesses de grupos. 

Falências das infraestruturas escolares públicas em todos os cantos do país, os custos da escolaridade das crianças são assegurados pelos pais e encarregados de educação, em cerca de 62% (Relatório da situação do sistema educativo, 2013).

Luta para ter justiça? O maior colapso que a República fundada por Cabral enfrenta é a justiça. O mestre Ernesto Dabo em jeito de alerta , há alguns anos, ironizava nas suas letras e com muita profundeza em kriolo “djustisa-longuisa”. Uma justiça moldada em função do maré e vento, a capote dos que detêm poder político, financeiro, militar e lobista. Capturada, confiscada e politizada. É o diagnóstico real daquilo que se possa chamar de justiça hoje.

Luta para ter dignidade? Apenas uma palavra vazia até aqui, perante os factos acima expostos. A dignidade não se decreta, conquista-se!

Bissau, 6 de setembro de 2024

Por: Armando Lona

Author: O DEMOCRATA

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