Para melhor interpretação hoje do pensamento de Cabral sobre a luta, a escolha correta de lentes é fundamental. Ou seja, não se pode fazer uma interpretação da sua visão e do seu método com lentes erradas, forjadas a partir da nossa subjetividade, dos nossos preconceitos. São precisas lentes apropriadas cujos ângulos são determinados objetivamente. Como visionário,
Cabral é criticável a várias medidas.
Criticar, questionar, e até reprovar teorias e métodos recorridos para luta na Guiné, não é um problema. Faz parte do exercício intelectual e das dinâmicas dos processos sociais, políticos e ideológicos.
Contudo, tal como ontem, existem vozes mesquinhas sobre Cabral, sobre pertinência da luta armada. Vozes mesquinhas porque limitam-se na periferia do populismo e do baratismo. Essas vozes atribuem a Cabral todos os pecados que teriam conduzido à desgraça da Guiné-Bissau, sem nenhuma base fundamentada.
A luta do povo, pelo povo e para o povo, o que Cabral queria dizer exatamente?
Se a luta é do povo, de que povo ele referia? Povo estrangeiro? Claro que ele referia-se ao povo guineense e Cabo verdiano cujas liberdade e dignidade eram postas em causa por um inimigo identificado. Quem era? Aquela que Cabral chamava de classe colonialista de Portugal (associada à dominação do mundo) que, para além de explorar o seu próprio povo, fazia tudo para explorar outros povos, roubando as suas matérias primas.
É a este povo que Cabral atribuía a autoria da luta. Essa luta deveria se pensar de fora para dentro? Não. É a este povo quem cabia a responsabilidade de pensar a sua luta. É a este povo quem cabia a responsabilidade de fazer a luta, de pagar os custos desta luta e não aos estrangeiros. Os combatentes eram filhos di tchon, sem ignorar apoios de voluntários de países amigos como da República da Guiné de Sekou Touré, de Cuba, etc. Na base, a luta foi assegurada pelos filhos do território e alimentada pela população (mulheres e homens) em diferentes cantos.
Cabral também alertava sobre o fato de a luta ser igualmente contra os inimigos internos que queriam travar o processo revolucionário do povo.
“E, nessa base, vemos logo que a nossa luta não pode ser só contra estrangeiros, tem que ser também contra alguma gente dentro da nossa terra. O nosso povo tem que lutar ao mesmo tempo contra os seus inimigos de dentro. Quem? Toda aquela camada social da nossa terra, ou classes da nossa terra, que não querem o progresso do nosso povo, mas querem só o seu progresso, das suas famílias, da sua gente. É por isso que dizemos que a luta do nosso povo é contra tudo quanto seja contrário à sua liberdade e independência, mas também contra tudo quanto seja contrário ao seu progresso e à sua felicidade”, Amílcar Cabral, fim da citação.
Sem equívoco, a força fundamental da luta era/é o povo através dos seus “militantes armados”, através de quadros formados, médicos, professores, agricultores, pescadores, pedreiros, etc.
A luta é para o povo. O fruto da luta, o quê ? A liberdade, a prosperidade, a segurança, o bem-estar, em suma soberania do povo em poder pensar com a própria cabeça, andar com próprios pés.
A luta é do povo ? Sim. A luta é pelo povo? Sim. A luta é para o povo? Deve ser sim, mas o povo precisa, tal como ontem, lutar hoje para proteger o fruto da luta. Os inimigos do dentro estão sempre de pé, em defesa de interesses pessoais e não da terra.
Contra esses demagogos, o povo tem que se manter mobilizado e determinado. Só assim a “luta será para povo” e não para uma meia dúzia de indivíduos.
Bisssau, 11 de setembro de 2024
Por: Armando Lona