Crónica do centenário: Cabral foi líder revolucionário, não um santo

A luta armada foi um instrumento de resposta contra um sistema de violência secular instalado em África por estrangeiros invasores. O colonialismo europeu representava a violência e o retrocesso dos povos. Questionar o meio de auto defesa, de resistência contra essa violência imposta, é escolher o lado do opressor, do violento, parafraseando o cardinal sul africano Desmond Tutu. Todo o aparelho colonial era assente no uso da força, da violência sob todas as formas e sustentado por uma ideologia de superioridade racial

Cabral e toda a sua geração de independentistas das colónias portuguesas perceberam claramente da ausência da boa fé do regime em negociar com “bando de terroristas”, em encontrar a via pacífica para o fim do colonialismo.

Compreenderam sobretudo que a única linguagem que o regime facista percebia era só o uso da força violenta, mais nada. Foram várias tentativas de diálogo com o poder colonial para evitar a guerra e operar uma transição pacífica das chamadas províncias ultra marinas. 

Enquanto os franceses e ingleses compreenderam que chegou o tempo para ter novas abordagens, o regime absoluto em Lisboa olhava para os “seus territórios africanos” como eternamente portugueses. Era um trágico erro, uma negação da história. Embora, na realidade, os exemplos não faltassem. A hostilidade deste povo à dominação não era um segredo!

A presença colonial na Guiné (portuguesa e francesa) nunca foi pacífica. Os ocupantes sempre foram atacados pelos nativos. As revoltas indígenas foram sistemáticas com a exceção do período de acalmia relativa de 37 anos que antecede o início da luta armada organizada com objetivo de tomar a independência.

Na Guiné francesa, a resistência à presença colonial foi secular. Samori Touré foi líder  de um exército que desafiou o projeto colonial francês. Perdeu batalhas mas sempre resistiu. O Sékou Touré andou nos traços do  heroísmo do seu avô.  A marcha para autodeterminação era inadiável.

Deste lado, Cabral não inventou a roda! O que o diferenciou com muitos que tiveram o privilégio de estudar e conhecer o sistema colonial é o inconformismo. Ele tinha privilégios por pertencer à elite da administração colonial. Não era um marginal ou um criminoso cuja luta armada era a única porta para se escapar. Cabral era inconformado! Não quis utilizar o seu estatuto de “emancipado” para conservar mordomias como muitos fizeram. Ele podia escolher alinhar com o opressor e servir a agenda deste.

Aqueles que ainda questionam o uso de violência por Cabral, fariam um excelente exercício se respondessem as três perguntas: (1) – Quem tinha mais interesse em fazer a guerra? Quem tinha mais armamentos? A quem pertencia o território disputado ?

Cabral foi um líder revolucionário, um distinto pensador do seu tempo. Não tinha pretensão de ser um santo no gabinete, na igreja!

Embora tenha nascido num território pequeno no mapa de África e do mundo, ele nunca aceitou que as correntes do colonizador atassem os seus pés, suas mãos e sua boca e pouco menos impedissem o seu cérebro de funcionar. O grande pecado de Cabral foi ter ousado pensar GRANDE a Guiné, África e o mundo!

Bissau, 16 de setembro de 2024

Por: Armando Lona

Author: O DEMOCRATA

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *