Centenário de Amílcar Cabral: RUI LANDIM AFIRMA QUE O LEGADO DE CABRAL É “EXIGENTE E MUITO DIFÍCIL” DE SEGURAR 

[ENTREVISTA] O politólogo e analista político, Rui Landim, disse que a figura de Amílcar Cabral extravasa de longe a África e que Cabral é um “património da humanidade”, tendo assegurado que muitos países africanos e até asiáticos se inspiraram nas ideologias de Cabral para lutar pela independência. Acrescentou que “paradoxalmente a fonte onde Cabral se forjou enquanto personalidade está numa situação de bandalheira e naquilo que os outros dizem pandemônio”, que segundo disse tem a sua explicação científica, “porque o legado de Amílcar Cabral é difícil de segurar e é exigente”.

“Cabral dizia que o PAIGC, movimento nacional de libertação, lutava para a independência e para o bem-estar do homem e da pessoa, incluindo Portugal. Guterres, secretário-geral da ONU, lembrou na sua mensagem, que Cabral foi um grande inspirador para erguer a democracia em Portugal. É por isso que o legado de Cabral é difícil de gerir, portanto é preciso ter a preparação e o próprio Cabral trabalhou muito nisso naquilo que chamava a formação de homem novo”, notou o analista político na entrevista ao nosso semanário para falar do impacto da instabilidade política, governativa e do fenômeno de droga que ensombra o país no legado e na imagem do país projetada internacionalmente pelo fundador da nacionalidade guineense, Amílcar Lopes Cabral.

“GUINÉ-BISSAU FAZIA PARTE DE LISTAS DE PAÍSES MAIS INDUSTRIALIZADOS DE ÁFRICA”

Landim assegurou que não é de admirar a situação da profunda crise e instabilidade política, governativa e no setor da justiça colocando o país na situação em que se encontra.

“É doloroso o que estamos a viver hoje, porque tudo quanto se fez foi ao contrário aquilo que era o sonho de Cabral, porque sempre dizia só os melhores devem estar à frente do partido. Quando se perverteu essa regra, tem aquilo que estamos a viver hoje…”, notou, afirmando que Amílcar Cabral, não era o líder de guerra, era líder de uma ideia da libertação do homem.

“Amílcar dizia: nós não somos guerreiros e nem temos a honra de ganhar um grande exército mundial. Somos gente que decidiu tomar conta do seu destino e o sistema colonial nos obrigou a entrar na violência. Foi uma imbuição do colonialismo que não nos deu outra saída e se não usar a última saída, recorrer a violência da arma”, referiu, afiançando que Cabral é o líder de construção de um novo mundo.

Questionado se os sucessivos governos que passaram desde a independência não conseguiram segurar o legado de Amílcar Cabral no concernente a criação de condições para a paz social e uma boa governação, respondeu que o governo criado depois da independência em 1974 e até 1980 conseguiu garantir a estabilidade política e governativa.

“A Guiné-Bissau de 1974 e até 1978, estava na lista dos países mais desenvolvidos da África em termos de economia. Havia já fábricas e montagens a funcionar, portanto era um dos países mais industrializados de África até 14 de Novembro de 1980. Os números e os relatórios existem que comprovam tudo isso”, assegurou.  

“LAMENTA-SE HOJE A QUESTÃO DE DROGAS, MAS AMANHÃ HAVERÁS ARMAS NAS RUAS”

Solicitado a pronunciar-se sobre os principais fatores que contribuem para a instabilidade política e governativa do país, Rui Landim disse que o primeiro e principal fator é a falta de qualidade daqueles que assumiram as rédeas da governação do país, como também o desconhecimento do funcionamento de uma organização e do Estado em si.

“As pessoas que vieram assumir o país a partir de 1980, dirigiram com imprevistos e instintos animalescos que é agravada com a tentação variada de corrupção. A corrupção foi combatida neste país com muito rigor”, disse, lembrando que os membros do governo de Luís Cabral saíram do poder sem ter praticamente nada, ou seja, dois sapatos e dois casacos. 

Enfatizou que em seis anos o governo dirigido por Luís Cabral conseguiu abrir fábricas, indústrias e estradas que ligam o capital Bissau e as cidades das regiões, norte, leste e sul da Guiné-Bissau.

Relativamente ao fenômeno do tráfico de droga que ensombra o país e que nas vozes de algum crítico, ofusca o legado de Amílcar Cabral, o politólogo disse que se um país se encontra numa situação em que tudo está invertido, então está sujeito a ter tudo o que não vale também.

“Imagina tomar o copo e virá-lo ao contrário para colocar a água, é claro que a água vai derramar no chão. As pessoas que tomaram as rédeas de governação não têm condições e muito menos preparação, depois vem outro instinto que é o instinto de delinquência e da corrupção”, criticou.

“Hoje está se a lamentar da aeronave da droga detida no aeroporto, mas amanhã vai ter armas nas ruas e depois teremos grupos de pessoas a reivindicar o dono de uma certa zona, se não forem tomadas medidas necessárias e eficazes para combater a criminalidade no país”, alertou, para de seguida chamar atenção aos governantes e guineenses em geral sobre a ameaça daquilo que chamou de “decomposição do país” e não do Estado, que segundo a sua explanação, não existe há anos.

“A decomposição do país significa que chegaremos o momento em que alguém de Bubaque vai tomar conta daquela ilha. Como é a que a Polícia Judiciária foi fazer um trabalho sobre a apreensão da droga e aparece outra força a dizer para não fazer…”, frisou.

Rui Landim disse que a situação da Guiné-Bissau é muito preocupante e deixando sinais visíveis da presença de criminalidade organizada.

“Onde é que já ouviu a aeronave de droga aterrar no aeroporto internacional e podem procurar onde quiserem, portanto estes sinais não vos chamam atenção da presença de criminalidade organizada?…”, alertou.

O analista afirmou que a instabilidade política e governativa associada ao tráfico de droga ameaçam o desenvolvimento social e económico da Guiné-Bissau, tendo frisado que a presença da droga e da criminalidade organizada num país deixa sinais claros da falta de segurança, que no seu entendimento, a segurança é a condição principal para garantir o investimento de empresas estrangeiras.

Revelou que de acordo com o relatório da organização – a iniciativa global de luta contra a criminalidade organizada, o cartel do tráfico que está na Guiné-Bissau se chama “Clã de Golfo”, advertindo que a situação da criminalidade organizada no país deve constituir uma preocupação de todos os guineenses.   

Por: Assana Sambú

Foto: Marcelo Na Ritche

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