Falar da história da Guiné enquanto território e como Estado a partir de 24 de setembro de 1973, paira sempre um tabu a volta da questão. O assunto tem suscitado animosidade entre guineenses, com maior ênfase no campo político. Essa animosidade é ainda maior quando o assunto é ensinar o pensamento e obras de Amílcar Cabral.
Pesquisadores nacionais e estrangeiros já publicaram trabalhos sobre a história da Guiné em diferentes perspectivas. No entanto, a nível institucional (de Estado) existe um vazio em termos de iniciativas concretas em torno do assunto. Os trabalhos individuais ou em grupos a nível académico são importantes mas não podem em caso algum dispensar a intervenção do Estado em criar condições, financiar a pesquisa e a elaboração da história da Guiné, das origens ao tempo presente. Uma versão da história preparada com nossas lentes. Esse engajamento deveria destacar Amílcar Cabral e o seu pensamento. Não tem sido o caso até agora.
O vazio criado pelo Estado é mais notório em relação a tudo que é Amílcar Cabral e o seu pensamento. As decorações, os discursos, os assessórios, a volta do nome do pai das nacionalidades Guineense e Cabo-verdiana nunca faltaram. Nunca faltaram “passadas”, anedotas sobre a personagem. Faltou sim, a parte que mais interessa ao povo, sobretudo a juventude: a seriedade para com Amílcar Cabral enquanto fundador desta Nação, por bem ou por mal. Tem se criado muitas margens para diversão que com o tempo alimentaram o ridículo, o tabu e a banalização de um dos maiores filhos de África e do mundo de todos os tempos, como confirmaram os resultados da pesquisa da British Broadcasting Corporation (BBC) há alguns anos.
A recente iniciativa dos Chefes de Estado dos Países Africanos da Língua Oficial Portuguesa (PALOP) em criar uma Comissão para a elaboração da história da luta de libertação nacional nos PALOP, embora tardiamente, constitui um passo importante na tomada de consciência sobre o incontornável valor da história no processo da afirmação e soberania das nações.
Na Guiné-Bissau, a mesquinhez associada à escassez da cultura política das sucessivas lideranças nacionais contribuíram ao segundo “assassinato” de Amílcar Cabral, isto é o abandono do seu pensamento. Os currículos escolares na pátria que ele fundou não incorporam nada sobre o legado teórico de Amílcar Cabral.
Criou-se uma universidade, a principal instituição pública do ensino com o nome de Amílcar Cabral que não ensina o seu pensamento!
Nos últimos anos, autores nacionais tiveram destaque na pesquisa sobre a vida e obra do maior revolucionário africano do século XX. Tratam-se de Julião Soares com seu livro “Vida e morte de um revolucionário africano” e Peter Karibe Mendy “Amilcar Cabral, um nacionalista e pan-africanista revolucionário”.
Esta lista é reforçada pela excelente obra conjunta editada sob a coordenação de Firoze Manji e Bill Fletcher Jr, intitulada ” Claim no easy victories”. Esses trabalhos combinados com várias publicações de Carlos Lopes sobre Cabral, são contributos importantes para o conhecimento e disseminação da obra e do pensamento de Amílcar Cabral que infelizmente continuam a não ter uma real e merecida difusão a nível interno, sem esquecer também outro dilema: a fraca cultura de leitura neste país! Um outro trabalho para redirecionar o guineense à leitura!
Num terreno que ao longo de 5 décadas foi dominado por investigadores estrangeiros com 400 publicações sobre Amilcar Cabral, assiste-se hoje a um despertar no meio académico guineense em recuperar consciência de pesquisadores nacionais sobre o tempo perdido e a necessidade de inverter a tendência.
Esse despertar deve-se estender ao campo político.
Não existe um legado de Amílcar Cabral fora do seu pensamento! Para que a sociedade, sobretudo a juventude, conheçam e reconheçam a sua grandeza, é preciso ensinar o seu pensamento!
Bissau, 29 de setembro de 2024
Por: Armando Lona