Índice de pobreza nos PALOP: ECONOMISTA AFIRMA QUE O RELATÓRIO DO PNUD DE INICIATIVA OXFORD SOBRE A POBREZA É QUESTIONÁVEL

No relatório Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) sobre o índice do Desenvolvimento Humano divulgado em outubro de 2024, a Guiné-Bissau foi apontada, entre os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), como líder com 64,4% da população em situação de pobreza.

De acordo com o relatório do PNUD e da Iniciativa Oxford sobre Pobreza e Desenvolvimento Humano, 64,4% da população da Guiné-Bissau vive em condições de pobreza multidimensional, com 26% sobrevivendo com menos de 2,15 dólares por dia.

O relatório revelou que 584 milhões de pessoas, mais da metade das pessoas pobres no mundo, são crianças com menos de 18 anos.

“Na Guiné-Bissau, a situação é especialmente grave, com 64,4% da população vivendo em pobreza multidimensional e 26% sobrevivendo com menos de 2,15 dólares por dia”, pode ler-se no documento.

Convidado pelo semanário guineenses para falar do relatório que colocou a Guiné-Bissau numa situação de extrema pobreza, Afonso Gomes, economista guineense, disse que as amostras extraídas em cada país para efeitos da análise são questionáveis. Frisou que, apesar de o relatório conter alguns dados preocupantes a nível mundial sobre a pobreza, não reflete a situação concreta dos países mencionados, nomeadamente Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

“Tomando como certos estes dados, significaria que, quase 70% da população passa fome extrema, dorme na rua, não tem acesso a água e ao ensino. Não é o que se verifica no nosso país”, insistiu, para de seguida indicar que, no panorama geral, a Guiné-Bissau lidera entre os países de língua portuguesa, com 64,4% da população em situação de pobreza multidimensional e 26% abaixo da linha de 2,15 dólares por dia.

O Democrata (OD): Algum comentário a cerca do relatório sobre a situação da pobreza nos PALOP?

Antes de tudo, quero dizer que o relatório, apesar de conter alguns dados preocupantes a nível mundial sobre a pobreza, não reflete a situação concreta dos países mencionados. As amostras extraídas de cada país para a análise são questionáveis. Tomando como certos estes dados, significaria que, quase 70% da população passa fome extrema, dorme na rua, não tem acesso à água e ao ensino. Não é o que se verifica no nosso país.

É de notar que a pobreza multidimensional é aferida pelos indicadores que mencionei na alinha anterior e como aparece no relatório, daqui a 6 meses o país quadruplicaria o índice de mortalidade por fome extrema, falta de alimentos e água.

É verdade que o nosso país enfrenta graves problemas económicos e sociais o que interpela a todos, sobretudo os decisores deste país. Também não estou a pôr em causa o relatório, o que pretendo colocar em debate decorre da contradição da realidade que se vive nestes países, no caso concreto da Guiné-Bissau, e o que diz o relatório.

Penso que escapa aos relatores do PNUD um dado muito importante, a economia informal, que suporta quase 60% das despesas das famílias, da educação, alimentação e saúde. Deveriam, os economistas responsáveis pelo relatório, abrir a discussão dos dados com gente informada sobre a construção de indicadores económicos e sociais, que possam incorporar a economia informal.

2 – Quais são os fatores (internos e externos) que originaram essa percentagem alta do nível de pobreza na Guiné Bissau?

Os fatores exógenos explicam-se, em parte, pela má distribuição de rendimentos a nível mundial, gerando batalhões de pobres no mundo. Dados de 2020 apontaram que 5% da população do mundo detém rendimentos de 95% da população mundial.

É fácil ver que a concentração da riqueza gera a disfuncionalidade da economia mundial e acresce que os países em que se localiza a maior riqueza mundial são aqueles que financiam e fabricam as armas, fatores potenciadores de conflitos mundiais, controlam todas as instituições financeiras do mundo, o FMI e o Banco Mundial e condicionam modelos económicos dos países menos desenvolvidos. O mais grave ainda são os países relutantemente contra qualquer reforma da ONU, mesmo sabendo que as circunstâncias e a realidade mundial se impõem.

A Guiné-Bissau, não estando isolada do mundo, sofre as consequências acima descritas e é afetada gravemente no seu processo de desenvolvimento. Um país que não produz o suficiente para alimentar, educar e dar saúde a sua população dependente quase de tudo de fora, acaba por agravar fatores endógenos. O que significa que o país está incapaz de desenhar e executar políticas públicas e tomar medidas estruturantes para fazer funcionar a sua economia.

3 – Enquanto economista o que se pode fazer num curto prazo para mudar o cenário? E a longo prazo?

No curtíssimo prazo, impõe que o país se reconcilie a fim de criar um pacto de regime sobre áreas estruturantes e vitais da nossa economia, por exemplo, agricultura mecanizada, energia, educação e formação profissional em áreas fundamentais. Quando digo áreas fundamentais refiro-me às tecnologias aplicadas ao desenvolvimento agrícola e à indústria transformadora.

Parafraseando um grande pensador social, “no longo prazo estaremos todos mortos”, o que importa é definir um modelo económico capaz de transformar, industrializar, gerar empregos, receitas, pelo valor acrescentado aos produtos e evitar exportar matérias primas para as outras nações criarem riqueza para os seus povos e manter-nos no estado endémico de pobreza.

A longo prazo, exige de todos nós um esforço para interpretar o quadro geoestratégico mundial que determina os fatores geoeconômicos no sentido de tomarmos medidas políticas e económicas para integrar o nosso país no cariz do desenvolvimento sustentável.

4 – Quando se diz pobreza multidimensional que envolve jovens até aos 18 anos é exatamente o quê?

A pobreza multidimensional é a tradução prática do índice compósito das nações, tendo como indicadores bases, alimentação, acesso à água potável, educação e saúde.

Ora, neste relatório podemos ler a colocação de ênfase na faixa etária até aos 18 para significar a falta da política pública que dê prioridade a esta classe muito vulnerável, chamando atenção ao fato de ser a classe social a primeira vítima de qualquer conflito ou dificuldades sociais. Exige-se que o Estado estribe medidas para reforçar a sua proteção, investindo nos mecanismos que acelerem a mitigação de enormes dificuldades que enfrentam as famílias, permitindo o acesso a bens da primeira necessidade e a educação de qualidade para todos.

5 – Agricultura é uma alternativa para a mudança do cenário? Como?

A agricultura não só deve constituir uma alternativa, como também é a locomotiva do desenvolvimento do nosso país. O país deve tomar, como prioridade das prioridades da sua política económica, a agricultura. Mas convém sublinhar que o atual modelo da política da agricultura não é adequado ao desenvolvimento económico, é um modelo perigoso e destrutivo das nossas reais potencialidades agrícolas. É um modelo assente na monocultura do cajú.

Impõe que o país defina o modelo da agricultura que passe pela mecanização, diversificação e retenção da água das chuvas, construindo lagoas artificiais para permitir a prática agrícola mais de duas vezes por ano. Tendo em conta a importância estratégica do cajú na nossa vida, a sua transformação é de importância capital.

O país tem de poder controlar todas as suas zonas exclusivas do mar e desenhar o modelo de desenvolvimento da pesca, a fim de aproveitar em pleno o seu potencial.

 6 – Se a agricultura for afetada este ano o que podemos esperar da situação económica nacional?

Primeiro, sou um otimista incomensurável. Acredito que vamos ter um bom ano agrícola, e se porventura não for vai significar enormes dificuldades para as nossas famílias, sendo um setor que emprega maioria da nossa população, o consumo vai diminuir, arrefece a procura, as receitas para o Estado diminuem e não havendo a contribuição de fatores exógenos o PIB – Produto Interno Bruto, poderá decrescer, ditando menos riqueza produzida no ano económico.

7 – Qual deveria ser a política do Estado para a melhoria da agricultura no país?

Mecanizar, diversificar e formar profissionalmente em áreas fundamentais que alavanquem o setor, nomeadamente tecnologias aplicadas no setor agrícola, transformador e industrial.

8 – Qual é o peso da economia informal e qual é a sua desvantagem e perigo?

Como sublinhei nas linhas anteriores aquando da abordagem sobre o relatório do PNUD, é muito difícil aferir o seu peso na economia, mas podemo-nos apoiar sobre algumas evidencias empíricas, nomeadamente despesas com educação, alimentação e saúde, suportadas pelas famílias que formalmente não possuem rendimentos.

Penso que, as evidências, ainda que empíricas, habilitam-me a afirmar que o seu peso na economia estima-se em 60%. Não é economicamente um bom indicador, mas não é também perigoso, apenas faz evidência da desorganização do setor económico. A falta de preparação da máquina fiscal é a prova acabada da falta da definição dos objetivos das políticas económicas. Penso que o Estado deveria ser capaz de poder identificar os cidadãos que executem atividades profissionais, definindo um documento portador de informações acessíveis em todas as repartições públicas e privadas, por exemplo, o NIF. Surpreende como é que o Estado define as despesas sociais no seu programa e o orçamento sem saber que rendimentos têm ou não os cidadãos.

9 – Até que ponto é possível admitir a relação entre a pobreza e a instabilidade política governativa?

Infelizmente, a relação é intrínseca. Embora seja crítico do modelo económico aplicado no nosso País ao longo de décadas, tenho de admitir que a instabilidade contribui sobremaneira para o nosso atual estado de pobreza. Quando os governos não completam as legislaturas não é possível esperar um resultado económico positivo. Se a memória não me falsear a companhia, nenhum Governo Constitucional chegou ao fim desde a instauração do sistema democrático no nosso País.

Por: Filomeno Sambú/Assana Sambú

Author: O DEMOCRATA

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