O Sociólogo e analista político guineense, Diamantino Domingos Lopes, alertou que o reflexo político histórico na Guiné-Bissau poderá dificultar a ascensão de jovens à excelência política, devido a um sentimento de descrédito presente nos jovens, mas nada é impossível neste sentido.
“O problema que se põe é que em nenhum estado político pós-independência foi criado uma narrativa nessa perspetiva, então a juventude hoje vive sobre o reflexo político histórico, facto que vai dificultar a ascensão de jovens à excelência política. Além demais, vive-se um sentimento de descrédito nos jovens, mas nada é impossível neste sentido. Os jovens sempre são força do presente e futuro, apesar de obstáculos de várias ordens que têm que enfrentar para se afirmarem no campo da vida pública”, disse o analista político e professor na Universidade Lusófona da Guiné (ULG), admitindo, neste particular, que há jovens com competência, conhecimento e compromisso com o país que podem servir de alternativa à governação.
Em entrevista ao Jornal O Democrata para falar da situação política senegalesa após a mudança do regime e a ascensão da juventude à liderança do país, bem como das reformas estruturais anunciadas e que estão a ser implementadas no Senegal com a aposta nas figuras mais novas.
Diamantino Domingos Lopes foi convidado a refletir, se a mudança radical do sistema político registada naquele país vizinho francófono que levou a juventude a assumir as rédeas do poder político poderá influenciar politicamente o eleitorado guineenses levando-a a apostar numa figura jovem para dirigir o país.
O professor universitário recordou que desde a independência nacional, a Guiné-Bissau foi governada pelos mesmos grupos de políticos, seja com o mesmo formato ou com formato diferente.
NOVA GERAÇÃO DE POLÍTICOS SENEGALESES AFIRMA QUE O MODELO POLÍTICO É MUITO SUBMISSO À FRANÇA
Comparativamente ao que se passa no Senegal, Diamantino Domingos Lopes disse que o Senegal está a passar por um momento político histórico que se traduz numa mudança radical do regime político que vigorava naquele país há mais de 60 anos. O país hoje é liderado por uma geração de políticos que ao longo da juventude apreciaram negativamente o modelo político que consideram muito submissa à França, seja do ponto de vista político, económico, diplomático e geoestratégico.
“Achavam que o Senegal enquanto país e povo, vivia da dependência francesa, pelo que era necessário romper o status quo e construir uma narrativa política institucional fundada nas orientações pan-africanistas”, afirmou.
Diamantino Lopes lembrou que são jovens que, por coincidência, partilham a mesma visão política que se consubstancia no combate ao neocolonialismo e luta para o progresso do Senegal. É Com esta visão pan-africanista influenciar o resto do continente, sobretudo a região ocidental africana.
Disse que essas mudanças de regime político não ocorrem ao acaso, estão intimamente ligadas à consciência coletiva, um espírito e sentimento comum que guiam uma sociedade a um objetivo, visto por todos como a razão da sua sobrevivência e da existência coletiva.
“Nos últimos anos, o Senegal foi dirigido por um regime político considerado ditatorial, que além de dilapidar o erário público, perseguia sem tréguas os adversários políticos. Foram momentos marcados por muitos assassinatos de jovens manifestantes da sociedade civil e prisões arbitrárias, facto que ditou a derrota do regime político liderado/apoiado posteriormente por Macky Sall. Esta seria a análise comparativa entre o Senegal e a Guiné-Bissau”, assinalou.
“O que aconteceu no Senegal, admite-se que pode acontecer na Guiné-Bissau, ou seja, acredito que num dado momento, podem aparecer jovens com uma clara visão política alicerçada nos compromissos com o interesse nacional”, afirmou.
Admitiu que o país tem jovens preocupados com os valores históricos que fundaram o povo guineense, que se consubstanciam na construção de um povo unido visando a defesa do interesse geral. Não obstante os caminhos não levarem a essa direção da ruptura radical com o status quopolítico que antes foi verificado no Senegal para alcançar esta meta, será necessário um sério investimento na educação. A base essencial para a transformação social ter uma sociedade com visão crítica exige este tipo de investimento, o tal investimento que depende muito da vontade política.
“A Guiné-Bissau, desde a independência nacional, foi governada pelos mesmos grupos de políticos, seja com formato igual ou formato diferente, não são sempre os mesmos que ao longo dos 51 anos destruíram os sonhos da Unidade Nacional, Luta e Progresso e passou a ser uma sociedade disfarçadamente regionalizada, setorizada, etnicista e religiosa, ou seja, uma sociedade extremamente dividida por interesses políticos e pertença, étnica, setorial, religiosa e regional. Assim é quase impossível conseguir o feito senegalês, hoje liderado por Bassirou Diomaye Faye, Presidente da República, El Malick Ndiay Presidente da Assembleia Nacional Popular e Ousmane Sonko Primeiro-ministro. Possíveis medidas no seu discurso de posse, Bassirou Diomaye Faye prometeu governar o Senegal “com humildade e transparência” e “lutar contra a corrupção”.
“Comprometo-me a governar com humildade e transparência e lutar contra a corrupção a todos os níveis. Comprometo dedicar-me plenamente à reconstrução das nossas instituições e ao reforço das bases do nosso modo de vida em comum”, prometeu o Presidente eleito do Senegal. A sociedade civil senegalesa também pronunciou-se sobre a mudança do regime político. Ababacar Fall, diretor da ONG GRADEC e observador eleitoral, afirmou que estes resultados traduzem o desejo profundo do povo senegalês por uma mudança.
“À luz de tudo isto, das injustiças, das detenções, dos acontecimentos, das manifestações que foram brutalmente reprimidas com a sua quota-parte de mortos, há uma bipolarização que começou, digamos, a tomar forma há muito tempo e é um desejo do povo senegalês, um desejo profundo de avançar para a mudança. Foi a isso que assistimos. Foi por isso que senti, desde o início, que deveríamos esperar, digamos, uma eleição presidencial referendada”, avaliou o observador da sociedade civil.
Então o que se espera, seja no âmbito da política interna como da política externa é uma mudança significativa. E a relação diplomática com a França terá novos rumos, nova visão e um novo compromisso em todos os domínios. É importante ressaltar que não se pode influenciar uma mudança social sem uma sociedade civil coesa e esclarecida sobre o interesse geral, disso a Guiné-Bissau precisa.
NOVA LIDERANÇA NO SENEGAL ESTÁ A REVOLUCIONAR O SISTEMA POLÍTICO COM JOVENS À TESTA DAS INSTITUIÇÕES
O sociólogo guineense admitiu que o atual regime no Senegal parece estar a revolucionar o sistema político com uma aposta nas figuras mais novas para liderarem instituições importantes, nomeadamente a Assembleia Nacional Popular.
Questionado se este modelo poderá servir como alternativa à Guiné-Bissau no futuro, Diamantino Domingos Lopes lembrou que o atual Primeiro-ministro tem 50 anos, o Presidente da República tem 44 anos e o Presidente da Assembleia Nacional Popular tem 41 anos, pelos vistos são idades que permitem uma pessoa ter muitas experiências na vida e assumir responsabilidades, seja no âmbito da família, na sociedade e na política.
“A lei eleitoral da Guiné-Bissau admite um candidato a Presidente com uma idade mínima de 36 anos, para Assembleia Nacional Popular 23 anos. Vendo isto percebe-se que numa perspetiva legal é possível, uma vez admitida a capacidade ativa”, reforçou.
Para revolucionar o aparelho de Estado na Guiné-Bissau, defendeu que é urgente restabelecer a ordem democrática, o caminho legal para melhorar a situação vigente, mas alertou que não será fácil, considerando a fragmentação política que se observa no país e o envolvimento das estruturas estranhas na política, nos debates políticos e no cumprimento das ordens ilegais, em alusão às forças de defesa e segurança.
“Quando assim é, a situação torna-se complexa e difícil mover uma revolução já tão falada. Isso deve-se ao estado de medo criado num Estado Revolucionário”, disse, sublinhando que a juventude pode servir de alternativa à governação.
“Acredito que sim, tem jovens com competência, conhecimento e compromisso com o país que podem servir de alternativa à governação do país. Acontece que o grosso número desses camaradas estão fora do exercício da política partidária, pois é um processo. Devem ter atenção, muitos desses jovens olham a política como um setor desonesto e despropositado para salvaguarda da dignidade pessoal e familiar, o que considero uma ideia errada. A nossa vida depende muito das decisões políticas, pelo que o bom dirigismo político depende das pessoas preparadas e comprometidas com o interesse geral. A política é o primeiro ato de caridade, disse o “Papa Francisco” e concordo plenamente”, indicou.
Afirmou que o país precisa de uma juventude formada e estruturada, com o pensamento de um Homem Novo, cuja missão consiste em servir e não servir-se.
Apesar de tudo, assegurou que a juventude é o elemento estratégico na tomada de grandes decisões, não só porque são maioria, mas sobretudo porque têm mais a perder e ao mesmo tempo têm tudo a ganhar, desde o momento em que tenham certezas sobre suas prioridades.
“Para chegar a este ponto, será necessário muita educação e formação. Na verdade, temos esta limitação, mas não impede a juventude assumir as suas obrigações com o país.
Recentemente, o presidente senegalês afirmou, em entrevista à AFP, que as bases militares francesas no seu país não são compatíveis com o território do Senegal.
Em análise a este pronunciamento, Diamantino Domingos Lopes disse que ele quer abrir alguma possibilidade de essas bases virem a ser retiradas do país, pois é bem provável que irão redefinir os padrões de cooperação militar, visando melhores esclarecimentos sobre a relação entre os dois países nos domínios da defesa.
“É um processo que exige muita ponderação e sentido de responsabilidade. Estamos a tratar de países com uma relação muito longa. Pode ser desproporcional, mas não é o momento para uma profunda ruptura, acredito que nos próximos tempos as duas administrações irão entender-se e alinhar os aspetos desalinhados, para o bem das duas nações”, referiu.
Por: Filomeno Sambú