Opinião: APÓS 27 ANOS POR QUE NÃO REFLETIMOS SOBRE A CONTINUIDADE OU NÃO DA GUINÉ-BISSAU À UEMOA?

A expectativa sobre adesão da Guiné-Bissau a UEMOA era tão grande que na época os estudos, as projeções e as vantagens que eram anunciadas nas medias apontavam para um crescimento econômico, estabilidade nas contas públicas (devido as regras de convergências macroeconômicas) e o controle de inflação que era o maior desafio do governo em 1996. Hoje ficou claro que os estudos da época esqueceram de incluir uma das variáveis não menos importantes como indicadores da projeção de adesão do país à UEMOA. A INSTABILIDADE POLITICA. 

A Guiné-Bissau aderiu à União Econômica e Monetária da África Ocidental (UEMOA) em 1997, marcando um momento significativo para a integração econômica do país no contexto regional. A UEMOA, composta por oito países da África Ocidental, utiliza o franco CFA como moeda comum e busca promover a estabilidade econômica, a convergência das políticas fiscais e monetárias, além de facilitar o comércio intrarregional. No entanto, desde adesão da Guiné-Bissau ao bloco econômico, além de ter defrontada com uma guerra civil que ceifou muitas vidas dos guineenses (perdendo somente com a guerra de libertação nacional), instalou-se no país uma instabilidade política crônica, prolongada, que vem ameaçando cada vez mais a coesão social e a nossa existência como uma sociedade civilizada, com a introdução de novas práticas e culturas que anteriormente não evidenciavam fazer partes do nosso dia a dia.  

As projeções realizadas não eram irrealistas ou fora da realidade, a Guiné-Bissau reunia e reúne todas as condições naturais de ser um dos países que mais beneficiariam com adesão ao bloco. Pois, a situação geográfica do país, áreas costeiras do oceano atlântico e banhado por vários rios proporcionam a Guiné-Bissau condições adequadas para criar infraestruturas marítimas e aeroportuárias. Essas infraestruturas poderiam constituir vantagens comparativas, pois possibilitariam aos países que não possuem fronteiras marítimas, por suas situações geográficas, escoarem (importações e exportações) seus produtos. Também podemos considerar as condições climáticas favoráveis para todos os tipos de cultivos, mas isso por si só não significa nada como vem demonstrando,cabe a nós criar os mecanismos e condições adequadas para fazer proveito daquilo que a natureza nos proporcionou. Isto significa que precisamos desenvolver infraestruturas adequadas para os nossos produtores, agricultores e empresários pudessem competir de qual condição aos parceiros do bloco e beneficiar das condições financeiras (créditos) proporcionadas pela União.

As vantagens acima citadas foram apontadas nos estudos da época e se soubéssemos aproveitar e tivéssemos a maturidade política e emocional de lidar com o fator da “democracia”, hoje a condição socioeconômica do nosso povo e a pauta do nosso dia a dia seriam outras e não sobre a constante instabilidade política.  No entanto, as perguntas que todos os guineenses devem fazer são: valeu apena adesão à UEMOA? 

Vale apena continuar como membro do bloco?  Antes iniciar os meus comentários, gostaria de deixar claro de que não estou afirmando que a integração do país ao bloco é o motivo principal da nossa instabilidade, mas é um ponto que devemos levantar e refletir sobre a sua importância para nossa estabilidade econômica e política.

Sendo assim, vou apontar algumas hipotéticas vantagens da adesão: 

a) estabilidade monetária – em 1996 a inflação anual da Guiné-Bissau era em torno de 51%, segundo os dados do FMI, em 2023 segundo os dados da mesma instituição, a inflação fechou em 4,5%. O resultado da estabilidade monetária (controle de inflação) foi observado logo no ano seguinte após adesão do país ao bloco. O uso do franco CFA, vinculado ao euro e garantido pelo Tesouro francês, proporciona estabilidade monetária. Para a Guiné-Bissau, que enfrentava uma inflação elevada e instabilidade econômica, essa ancoragem ajudou a conter a inflação e estabilizar os preços, criando um ambiente mais previsível para negócios e investimentos; 

b) acesso ao mercado regional mais amplo – com a “eliminação” de barreiras alfandegárias possibilitaria um país como nosso que possui vantagem comparativa no setor agrícolas ampliar sua estrutura produtiva para exportação, mas também permitiria importações de produtos manufaturados com custos unitários mais baratos e; 

c) a credibilidade de investidores externos ao nosso mercado e apoio de instituições supranacionais como Banco Central dos Estados da África Ocidental (BCEAO) e de instituições regionais como o Banco de Desenvolvimento da África Ocidental (BOAD) que passaram a promover não só apoio técnico e financeiro ao nosso país, mas“promoveram as políticas creditícias” para os produtores agrícolas, para pequenas e médias empresas.

Enquanto as desvantagens podemos apontar as seguintes: 

a) perda de autonomia de praticar política monetária e cambial que são instrumentos de políticas macroeconômicas importantes. A política cambial é um dos instrumentos políticos que o país usa quando tem moeda própria – é um valor da moeda de um país em relação aos outros em caso de déficit na balança de transações correntes o país pode estimular as exportações através da desvalorização da sua moeda, assim aumentando a competividade de produtos produzidos internamente nos outros países. No caso da política monetária ficou à responsabilidade do BCEAO de garantir a estabilidade do sistema monetário e financeiro da união, independentemente da peculiaridade e especificidade de cada país. 

b) um país como nosso, devido sua condição econômica precária e instabilidade política estrutural,frequentemente é penalizado com esse tipo de política uniforme que, em alguns casos, não condizem com a realidade econômica e social do nosso país e; 

c) a última desvantagem, trata-se da assimetria entre os países integrantes do bloco, principalmente, a presença do Senegal e Costa do Marfim no bloco, prejudica o desenvolvimento local de países menos desenvolvidos, que não possuem infraestruturas e estrutura produtiva para competir de igual.

A consequência é que, a Guiné-Bissau não consegue competir de igual a maioria dos países da UEMOA, quase tudo é importado de Senegal ou de outro país vizinho, desde os produtos de necessidades básicas até os mais supérfluos. Consequentemente, tornou-se mais vantajoso para os nossos produtores e empresários comprarem de Senegal ou países vizinhos do que produzirem internamente e quando é assim as consequências são perdas de empregos, renda, arrecadação e aumento da pobreza e instabilidade política.

Por fim, algumas considerações: 

1) a adesão da Guiné-Bissau ao UEMOA inicialmente representava uma estratégia importante considerando o descontrole que se encontrava inflação e a integração ao bloco servia para garantir a estabilidade monetário e controle de inflação. Contudo, os desafios associados à instabilidade política que teve início no ano subsequente à adesão (guerra civil), a dependência exagerada aos mercados externos fragiliza abastecimento do mercado doméstico (essencialmente os produtos básicos), à perda de competividade de nossos empresários e produtores agrícolas, à perda de autonomia e à dificuldade de convergência macroeconômica não podem ser ignorados; 

2) dizem que é na crise que aparecem as oportunidades e este é exatamente o momento de estudarmos as alternativas. É viável e factível criarmos uma moeda própria ancorada a moeda forte como Euro ou Yuan (Renminbi) chinês ou Franco CFA; 

3) fortalecer as instituições, diversificar a economia e investir em infraestrutura devem ser prioridade de qualquer governo porque só assim que podemos almejar um desenvolvimento sustentável e a inclusão social para que Guiné-Bissau volte a ser Guiné-Bissau e; 

4) por último, é extremamente importante começarmos pensar em criar condições e mecanismos para elevar à arrecadação e aumentar as receitas correntes (provenientes de fontes internas) do Estado e uma das formas é através de uma taxa crescimento econômico mais robusta, A modernização de administração pública e o combate à corrupção (maior rigor na fiscalização das receitas do Estado oriundas de tributos), devem ser pilares indispensáveis para otimização estratégicas das receitas do governo e alocação das mesmas para setores essências e estratégicos. 

Desconheço uma história de desenvolvimento mundial em que um país tenha desenvolvido dependendo de ajudas e doações externas, principalmente quando é para cumprir com as suas obrigações (despesas correntes obrigatórias). Em suma, a criação de um projeto de cadeias produtivas articuladas que possa gerar empregos, renda para população é a forma mais sustentável para o desenvolvimento.

Por: Rafael João Dias

Doutorando em desenvolvimento econômico – IE/UNICAMP – Brasil

Especialista em Finanças e Banking

Author: O DEMOCRATA

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