O economista guineense, Afonso Gomes, exortou os países africanos no sentido de elaborarem políticas públicas que tenham como epicentro a criação de riquezas para as suas nações, tendo em conta os desafios geoestratégicos e geoeconómicos, tendo sublinhado que o continente africano tem que fazer valer o seu peso económico na senda internacional fortificando as instituições políticas e económicas.
Gomes fez estas observações na entrevista ao Jornal O Democrata para analisar a nova medida imposta pela administração de Trump nos Estados Unidos de América, que impôs tarifas sobre produtos da Europa e da China, mas sobretudo analisando as consequências destas medidas para os países africanos e particularmente para a Guiné-Bissau.
O economista alertou que a medida do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor tarifas sobre produtos da Europa e da China é um desafio para os decisores da Guiné-Bissau, mas não afetará, em grande medida, o país, porque “a Guiné-Bissau não exporta quase nada para os Estado Unidos da América, assim esta medida, neste contexto, terá poucos impactos na vida dos guineenses”.
Afonso Gomes afirmou que a Guiné-Bissau como qualquer outro país terá que encontrar alternativas. Desde logo, preparar bem a próxima safra, apoiar os intervenientes na fileira do cajú, criar condições para que os empresários nacionais consigam créditos junto à Banca e encontrar compradores da castanha de cajú, a fim de valorizar o preço, escoar em tempo útil toda a produção destinada à exportação.
O economista frisou que o ocidente tem utilizado políticas pouco transparentes e desprezíveis nos países africanos, fazendo crer que o continente africano não representa nada em termos económicos.
“O famigerado o sistema de Inteligência artificial aplicável na produção de bens económicos não pode ser desenvolvido no continente africano, porque é o único que dispõe, em qualidade e quantidade, os minerais aplicados no desenvolvimento do sistema de alta tecnologia. O Trump não tomará medidas de forma irrefletida”, indicou.
O Democrata (OD): O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, impôs tarifas sobre produtos da Europa e da China. Embora o governo ainda não tenha recebido uma notificação oficial sobre essa medida, quais serão as implicações para a vida dos guineenses e para o continente africano?
Afonso Gomes (AG): Antes de tudo, devo observar que a Guiné-Bissau não exporta quase nada para os Estado Unidos da América, assim esta medida, neste contexto, terá poucos impactos na vida dos guineenses. Mas tendo em conta os impactos que ela produzirá em alguns países com os quais nos relacionamos comercialmente, poderemos sentir esses efeitos, ainda que marginalmente.
Relativamente ao continente africano, sendo uma zona de maior reserva mundial de minerais e outros produtos indispensáveis para o desenvolvimento das indústrias de bens de produção, bens de capital fixo e de bens de consumo, ou seja, o continente continua a representar uma importância estratégica para o ocidente. O ocidente tem utilizado políticas pouco transparentes e desprezíveis nos nossos países, fazendo crer que o continente africano não representa nada em termos económicos. Mesmo sabendo que ele é incontornável.
Cabe aos nossos dirigentes ter presente a nossa importância e, em conformidade, desenhar políticas públicas que criam riquezas para os seus cidadãos. O famigerado sistema da Inteligência artificial aplicável na produção de bens económicos não pode ser desenvolvido no continente africano, porque é o único que dispõe, em qualidade e quantidade, dos minerais aplicados no desenvolvimento do sistema de alta tecnologia. O Trump não tomará medidas de forma irrefletida.
OD: Que ações devem ser implementadas para mitigar possíveis impactos na Guiné-Bissau, especialmente com a aproximação da nova campanha de colheita da castanha de cajú?
AG: Os países visados com esta medida não são alvos da nossa exportação, sobretudo do nosso principal produto de exportação, castanha de cajú. Os nossos principais parceiros comerciais são a Índia e o Vietname e se percebe que o Trump tem agido com muito cuidado com um deles, a Índia. A recente comunicação telefónica revelada por dois estados, indica que o Trump solicitou a Índia para comprar os produtos americanos. Talvez não seja tão importante em termos comerciais, mas a tentativa de travar a utilização da moeda chinesa, o Yuan, como meio de pagamento, situação que poderá acentuar a queda do dólar e também através da Índia enfraquecer os BRICS. É de notar que a Índia é um dos países fundadores desta organização. É um desafio para os decisores do nosso país.
Disse isso em várias ocasiões e tenho escrito várias vezes que o país tem, imperativamente, que fazer aposta na diversificação da sua economia, formar quadros em áreas fundamentais e estratégicas para transformar a nossa economia, investir no setor agrícola, criar infraestruturas de transportes e comunicação, energia e desenvolver as redes turísticas, aproveitar as belas condições naturais e a posição geográfica que nos conferem vantagens competitivas, poucas horas de voo para o ocidente e o desfasamento das condições climáticas, o que pode permitir ao país captar turistas com grande poder de compra.
OD: Se realmente estamos a falar de uma alteração nos preços no mercado internacional, como isso afetará, no final, o custo dos produtos para os consumidores? A Guiné-Bissau terá soluções? Quais seriam essas soluções?
AG: De fato estas medidas vão criar alterações de preços no mercado internacional, sobretudo, no mercado europeu, responsável pelo maior fornecimento ao continente africano de produtos da cesta básica, máquinas e materiais de construção civil, equipamentos e máquinas agrícolas, matérias primas para panificação e serviços de saúde.
A nossa diáspora cuja maioria esmagadora se encontra no ocidente, nomeadamente na Europa, como mencionei acima, o espaço económico visado pela Administração TRUMP e cuja remessa financeira é muito significativa para o nosso país verá diminuída a sua capacidade financeira o que implicará a perda de fonte de financiamento da nossa economia. Em suma, o consumo pode diminuir fazendo com que a economia nacional arrefeça, com fortes probabilidades de abrandar o frágil crescimento económico.
A Guiné-Bissau, como qualquer país, terá que encontrar alternativas, desde logo, preparar bem a próxima safra, apoiar os intervenientes na fileira do cajú, criar condições para que os empresários nacionais consigam créditos junto a Banca e encontrar compradores da castanha de cajú, a fim de valorizar o preço, escoar em tempo útil toda a produção destinada à exportação.
OD: Os guineenses correm o risco de pagar mais caro pelos produtos essenciais em 2025 do que durante os anos da pandemia da Covid-19 ou existem outros riscos envolvidos?
AG: É difícil prever, até porque ainda se trata de anúncios de intenções, a regra de prudência manda que esperemos para ter dados concretos e conhecer também as alternativas dos países visados. Tenho quase a certeza que os preços não vão atingir os do período da covid-19, porque o mundo mudou. Existem hoje mais alternativas e opções ao nível da cooperação bilateral, acresce ainda a importância, do ponto de vista económico, dos BRICS, entre os quais a China, a índia e o Brasil.
OD: O que os países africanos devem fazer, de forma concreta, para enfrentar essa situação?
AG: Devem reforçar a cooperação económica entre eles e dentro de cada bloco económico regional apostar na criação de infraestruturas terrestres e aéreas e telecomunicações para permitir intercâmbios comerciais. Os países africanos devem elaborar políticas públicas que tenham como epicentro a criação de riquezas para as suas nações, tendo em conta os desafios geoestratégicos e geoeconómicos. O continente africano tem que fazer valer o seu peso económico na senda internacional fortificando as instituições políticas e económicas.
OD: Você acredita que a medida de Trump terá um impacto severo nos países europeus, ou se trata de uma guerra comercial contra a Ásia e a América do Sul, considerando que nem todos os países europeus estarão sujeitos a essa medida?
AG: A Europa é aliada natural dos EUA, acabarão sempre por se entenderem, mas não se deve descartar a possibilidade de o TRUMP avançar com a aplicação desta medida. E se avançar, terá, sem dúvidas, impactos nas principais economias do espaço comunitário europeu, Alemanha e a França exportam significativamente para os Estados Unidos da América e se considerarmos a atual situação económica dos dois países causada pela crise do gás russo e o elevado esforço de apoio à Guerra da Ucrânia, que levaram a falência de várias empresas e, consequentemente, o elevado nível do desemprego, enormes convulsões sociais.
Portanto, mesmo não sendo todos os países europeus visados, os visados são extremamente importantes e que, sem dúvida, afetarão toda a economia da União. É verdade que o alvo do TRUMP são os países asiáticos e latino-americanos. Ele quer, a todo o custo, enfraquecer esses países para ser o único que determina a quantidade do ouro negro a produzir e preços a praticar, desta forma neutralizar toda a tentativa de constituir a alternativa ao dólar no sistema de pagamento e fixação de preços. Ele pensa, com esta medida, conseguir influenciar a União Europeia a comprar sempre o petróleo americano.
OD: O governo americano vai discutir, a partir de fevereiro, uma tarifa de 10% sobre produtos importados da China, devido ao envio de fentanil da China para o México e o Canadá. O que isso significa do ponto de vista económico?
AG: Os argumentos avançados pelo Presidente Norte Americano apontam no sentido de proteger o país de uma substância prejudicial para a saúde pública, dizendo que o Canadá e o México servem-se de pontes de passagem para os Estados Unidos da América, a ser verdade, deve-se colocar reticências neste ponto. Salvo melhor opinião, o Trump serve-se deste ponto muito sensível para justificar a aplicação da taxa e também parece-me que o ponto central é o elevado nível económico das transações entre a China e estes países.
Em termos geoestratégicos, os Estados Unidos querem, a todo o custo, afastar a China dos seus aliados e da zona de influência, portanto é a guerra económica e o domínio do mundo que as duas grandes potências económicas têm enfrentado há bastante tempo.
Por: Filomeno Sambú