
Nos últimos lustros, intensificaram-se as críticas em relação à capacidade da diplomacia preventiva da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), principalmente depois dos sucessivos golpes de estado que se verificaram nos países membros, nomeadamente Mali, Guiné-Conacri, Burquina Faso e Níger. Mas também o seu nível de dissuasão em relação ao chamado “golpes institucionais” protagonizado pelos líderes manipuladores da constituição dos respetivos países, sob a pretensão de estender o mandato, como ocorreu na Costa de Marfim, com o Presidente Alassane Ouattara, e da tentação do antigo presidente senegalês, Macky Sall, que enfraqueceu devido a resiliência do povo senegalês, em defender os trâmites consagrados na constituição da república do país. Ou ainda o caso da Guiné-Bissau, em que se assistiu o assalto ao Supremo Tribunal da Justiça e à Assembleia Nacional Popular, dois órgãos da soberania, respetivamente.
Recentemente, a ameaça de expulsão da missão de alto nível da CEDEAO na Guiné-Bissau, pelo Presidente Umaro Cissoco Embaló, suscitou intervenções em vários níveis, entre os políticos, analistas, académicos e até os ativistas. Pretende-se neste artigo, apresentar uma versão que, até então, parece escapar do cuidado de muitos intervenientes. É importante considerar a natureza da CEDEAO, que é uma organização intergovernamental, não supranacional, isto é, os países membros mantêm suas soberanias nacionais, podendo aceitar ou rejeitar regras e recomendações.
A eficácia da CEDEAO dependerá do nível de compromisso dos estados membros, da vontade política e da flexibilidade na busca de grandes consensos. Numa referência à União Europeia, Béla Belassa, enumerou sucessivos dilemas que as organizações regionais terão de enfrentar até alcançar o objetivo final. Aliás, a própria união europeia, que alguns analistas mencionam para estabelecer paralelo, um dos padroeiro e arquiteto do projeto da construção de integração europeia, Jean Monnet, já disse que a organização irá enfrentar sucessivos crises de resistência aos valores que nortearam a criação da mesma, mas que só serão vencidos através da vontade política dos estados membros. Esse desafio é aplicável aos dilemas atuais que a CEDEAO enfrenta.
Retomando a questão da relação atual entre o Presidente Umaro Cissoco Embaló, e a missão de alto nível de CEDEAO, importa lembrar que, a organização não terá sucesso havendo profunda polarização política, em que os autores envolvidos não pretendem ceder, isto é, em que a sociedade parece estar mergulhada na “cultura de matchundadi” onde o cumprimento aos preceitos legislativos é relegado ao último plano. Nas relações internacionais, afirma Hans Morgenthau, “a realidade acaba por impor-se”, ou seja, os estados são, em última análise, os protagonistas principais da dinâmica internacional.
A CEDEAO do povo, da qual as pessoas clamam, dependerá do nível de desempenho dos estados membros em relação aos setores que promovem o desenvolvimento nos respetivos países. Deve-se clamar por uma governação interna pelo povo dos estados membros, ao invés de exigir da organização feitos que escapam ao seu controle. A boa governação nos respetivos estados membros, refletirá no índice de avaliação do nível de desenvolvimento da organização. Os responsáveis pela elaboração e execução das políticas públicas que visam integrar os povos no processo de desenvolvimento socioeconómico, são estados nacionais, não a CEDEAO. A governação pelo povo, é a tarefa primária dos respetivos governos, e se os estados governarem pelo povo, a CEDEAO colherá os ganhos, e será consequentemente do povo. A CEDEAO é uma organização que promove a integração económica, o comércio regional e a cooperação política, não é uma instituição governativa.
A organização não pode ser objeto de análise isolada, a sua fragilidade é a consequência direta da carência de compromisso democrático e do respeito pelas instituições da república dos estados membros que a compõem. Enquanto atores principais das relações internacionais, os estados continuarão a possuir autoridade em relação ao seu nível de obediência nas organizações regionais ou internacionais. Os mecanismos diplomáticos de mediação de crises políticas, não têm poder de imposição, mas de busca de grandes consensos que poderão ajudar na obtenção de resultados viáveis.
Os atores nacionais precisam reconhecer que o mundo enfrenta um período extremamente conturbado, em que todos se preocupam com os respetivos problemas internos, de nível bilateral ao multilateral. Desde conflitos no médio oriente, crise de segurança desemboca na guerra entre Rússia e Ucrânia, até a subida de extrema direta europeia, facto que está a desconfigurar a política; até as ameaças da nova administração americana; a alerta vermelha em relação economia chinesa, até a crise nas relações transatlântica etc.
Todos esses fatores têm e terão reflexo ao nível internacional, devido à cadeia de interligação e a interdependência em vigor nas relações entre os estados. As unidades políticas como a Guiné-Bissau, precisam lembrar que, são donos do próprio destino, isto é, os grandes consensos dependerão da capacidade interna de busca de solução, respeitando as leis da república. Sem esse compromisso interno, nenhuma organização terá capacidade de resolver os diferendos internos dos países, e a ausência dessa capacidade refletirá na fragilidade das organizações regionais.
O último caso que envolveu o presidente Umaro Cissoco Embaló e a missão de alto nível da CEDEAO, é uma lição clara de que as organizações têm as suas limitações. Elas apenas promovem o diálogo como forma de dirimir os conflitos de interesse entre os atores políticos, através de composição de uma equipa de negociação. Essas equipas de negociação, por sua vez, elaboram um plano estruturado que orientará a abordagem do conflito, e as estratégias que serão usadas para alcançar um acordo vantajoso. Esse plano é conhecido por roteiro de negociação, cuja elaboração não pode submeter a vontade de nenhum dos envolvidos na crise, sob pena de cair na parcialidade.
A Guiné-Bissau vive uma polarização profundamente enraizada, cuja génese está ligada ao congresso de Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), realizada em Cacheu, em 2014, mas que, nos últimos lustros, ganhou novos contornos abrangendo todos os níveis da sociedade guineense. É difícil comparar um período histórico igual, em que os guineenses, outrora “irmãos de mesma pátria”, viraram uns contra os outros, com o objetivo de enfrentar, combater e derrotar quem pensa diferente.
Os partidos políticos partiram-se; a sociedade civil de costas viradas, as instituições religiosas espreitando-se com desconfiança, a solidariedade étnica a afirmar-se, as famílias se odiaram, e as redes sociais viraram palco de teatro insultuoso. Tudo isso, resultado da profunda polarização política, que está a tornar a longa convivência harmoniosa dos guineenses.
A polarização que se vive na Guiné-Bissau, está a atingir o seu último estágio, crónico, e as suas consequências poderão relegar o país a uma situação de extrema crise social. Para que isso não aconteça, é indispensável que os decisores tenham boa fé, e compreender que a solução para o país, dependerá da cultura democrática das forças políticas, do respeito pelas normas vigente no país, e o tratamento condigno de organizações das quais o país é membro.
Por: Alberto Carfa Jaura