Crónica: DUPLA DINÂMICA

Esta pequena crónica se afigura como contributo para a compreensão do problema nacional, na medida em que é a continuidade às peripécias minhas relativamente às crónicas anteriores, nas quais pautei-me por estórias para escrever a história nacional quotidiana.

Não se trata de crítica nenhuma a ninguém, tão-somente uma oferenda neste chão de oferta de demagogias fúteis a que alguns homens e mulheres aproveitando-se de alguns cidadãos incautos querem, a todo o custo, embriagar-nos de intrigas e futricas.

Tudo isso, para que não nos apercebamos do grande manto de mentira com o qual nos querem envolver em suas guerras ambiciosamente fratricidas.

A seguir, o leitor d’O Democrata degustará deste espectáculo de horrores.

PARTE I

   Cena 01

Desgosto – diz em tom solene: vou acabar com todos os desvios, com todas as estrapafúlias desta casa; pois isto que está aí não pode continuar a acontecer.

Olha pró alto – como que a fazer uma prece a Deus – e desabafa de si para si.

Mme. Liz – E agora? O circo está fechado.

Desgosto – É cedo ainda para tomar algumas medidas, ainda que drásticas. Para isso preciso contar com teu apoio, teu amor, toda a tua força de mulher. Mas este jogo preciso vencê-lo. Senão perderei o compasso para o novo passo que pretendo dar.

Mme. Liz – Talvez seja o caso de mantermos calma. Aguardar pelo evoluir da situação, e posteriormente, saber qual a melhor escolha, que caminho trilhar.

Desgosto – Se é para continuarmos no topo da parada de sucesso o melhor é ir antecipando os acontecimentos. Além disso, disponho de uma equipa que trabalha afincadamente para que continue a cuidar dos destinos dos moradores desta casa. Vamos vencer o jogo.

Cena 02

A madame olha-o como se fosse a primeira que o via, não lhe parecia que se tratava de marido com quem vivera anos (e ainda estão sob o mesmo teto). Via-lhe com alguma apreensão, porque vestir-se de dama era-lhe espectacular, porém as adversidades da casa eram extremamente preocupantes. Encara o marido e diz:

Mme Liz – Estou exausta. Tive um dia muito atarefado, pelo que preciso espairecer-me divertindo-me com nossos…

Desgosto – Eu também.

Cena 03

Dá-se de ombros. Toca a mulher nas costas, afaga-lhe o rosto e sorri para ela. Desgosto – Amo-te. Vá descansar. É sempre bom renovar energias.

Cena 04

Aparta-se dela. Entra no bureau pensativo. Passa a mão pela cabeça, solta um respiro profundo como que o ar a sair-lhe das entranhas mais profundas.

Desgosto – Eu prometi facilitar a vida de pessoas nesta casa, mas está difícil esta desorganização. Devo pôr ordem.

Mme. Liz – Como? Arrumar esta casa com aquele bando de malfeitores, intriguistas e futriguistas de toda a ordem?

Desgosto – Promessa é promessa, confessa ele. Afinal que promete deve (cumprir ainda que não se convença disso?)

Mme. Liz – As pessoas prometem, porém cumprem se tiverem condições objetivas de o fazer, caso contrário, deixam a andar, a coisa a correr por si.

Desgosto – Tenciona mais tempo aqui? Aí temos problema. Há que se cumprir com algo. Ou então criamos um factóide, inventamos algo novo, não previsto, contudo agradável aos olhos do freguês.

Mme. Liz – Isso é coisa de homem. Operacionaliza a cuca que qualquer coisa tem de vir para safarmos deste imbróglio em que nos metemos.

Cena 05

Corre os olhos em direção à grande casa. Olha os jardins arabeizados. Todo o glamour e luxo que os rodeia. Eles que viviam vidas de gente simples, apesar de todo o dinheiro e conforto que tinham.

Desgosto – Mais tarde a hora de dormir falaremos.

Cena 06

Levanta-se e procura no céu cinzento de Bissau alguma estrela guia que o aponte o norte. E a mulher sai para juntar-se à família, quiçá na convivência não encontre alguma resposta.

PARTE II

Cena 01

A esposa do senhor ambicioso, chamava-se a senhora gananciosa. Diz-se que recebera algumas malas em troca de favores na empresa, coisa pública que julgara pertencer à família Queen.

 

Ambicioso – Tinha controlo sobre tudo e todos, e de repentemente algo acontece o “bouleversement”. A minha vida começou a transformar-se, de dia para a noite, num verdadeiro inferno. Onde foi que eu errei?

Mme. Gananciosa – Erraste nada. O gajo, o carancudo, malvado, estúpido é que teve inveja de ti, pois és mais popular, mais bem vestido, conheces o mundo; enfim, és muito mais preparado que ele, por isso. Só por isso…

Cena 02

A ambição desmedida fez com que o casal não medisse as consequências de seus atos, acreditando todavia serem eles os mais espertos da Praça junto com seus comparsas na confraria de malfeitores. Acreditavam que tudo daria uma grande pizza. Só não nos disseram se era “pizza napolitana” ou a “pizza portuguesa”. Para quem já trabalhou em casa de caridade latronice não deveria figurar na sua agenda de trabalho.

Ambicioso – Não terei exagerado na dose? Sabes, isto de política é muito complicado, equações nem sempre dão resultados desejados. Mas hei-de de reerguer-me das cinzas. E afundar o m. Desgosto e a esposa, Mme. Liz.

Cena 03

Seguiu-se um longo silêncio entre o casal. Nenhum pio se fez ouvir. Até que absortos em seus pensamentos uma ideia martela na cabeça do M. Ambicioso. Entretanto, foi a esposa quem traz – ainda que parecia adivinhar  – o pensamento que faltava para dar corpo à ideia ora nascente.

Mme. Gananciosa – Podíamos se quiséssemos empreender uma longa viagem ao exterior, por uns anos, sem que ninguém se desse conta disto, ou que nos importunasse a respeito dalgum assunto sequer.

Ambicioso – Fugir? Nem pensar. O que a malta pensará de nós? Que somos ladrãos, e é por isso mesmo, que fugimos para não sermos pego na malha da justiça.

Mme. Gananciosa – Pegos porquê? E por quem? Isto é moda. Então a Mme Liz e o M. Desgosto têm o que têm por terem feito o quê? Trabalhado honestamente é que não é. Ou tu acreditas em como ele mente tão naturalmente que chega a mentir a verdade como se fosse sacra? O M. Desgosto, todo o mundo sabe, há anos que fora testa de ferro do Sr. Comandante. Agora está a dar-se de honesto.

Ambicioso – De qualquer modo ficamos. Resistir é preciso.

Mme. Gananciosa – Viver é que preciso, e não resistir… Deixa-me pensar nos próximos investimentos e nos próximos passos. Isto de povo esquece rápido… Umas férias em Miami Beach mandam tudo para o esquecimento.

Cena 04

E como é de esperar os dois casais continuam se implicando, talvez por que estejamos próximos à exploração do petróleo e outros recursos minerais. Aguarde-se o próximo episódio… Que o cronista precisa descansar até o próximo número d’O Democrata. 

 

Por:

Jorge Otinta é ensaísta, escritor e crítico literário guineense.

 

2 thoughts on “Crónica: DUPLA DINÂMICA

  1. Professor Otinta merece e deve ser o ministro de Educação nacional.Sabe escrever,sabe viver,sabe fazer do escrever algo incantador….abraços

  2. Não é muito difícil entender o que quer referir este texto feito a jeito de uma peça teatral. Se de facto o cenário politico imita-se ao teatro em que as personagens são pessoas de vulto, influentes na nossa sociedade, entenda-se claramente que qualquer homem comum, por mais que apresenta alguma bravura cá fora, é lá dentro refém da sua esposa e muitas vezes é vinculado as ideias desta e nós sabemos que o ímpeto ou a ira das mulheres é vencer tudo que lhe parece pela frente, enquanto obstáculo, mesmo que isso venha a custar.

    Um texto bem pensado e contextualizado no realismo dum País real, em que o normal é viver na instabilidade, em que os machos são os que bajulam, prevaricam, os que mentem, os que intrigam para houver problema e na sombra disso viverem felizes.

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