
Era uma vez (e mais outra vez) em que estávamos a passear, eu e a minha namorada, pelas estradas esburacadas desta nossa cidade, Bissau.Passando por ruelas pedregosas, por avenidas mal asfaltadas; enfim, por tudo quanto nos permitia uma boa circulação para os afazeres do quotidiano, sentimo-nos felizes em aproveitar a paisagem urbana – um tanto cosmopolita – que o ar diáfano da cidade oferecia aos nossos pulmões de apaixonados.
Perdido a entreter-me com ela, e ao mesmo tempo, a curtir a paisagem (um tanto caótico, em termos arquitectónicos e urbanísticos), vi-me como que transportado por minhas andanças por este mundo fora pelas cidades de São Paulo, Brasil, e Milão, Itália, que outrora acolheram-me em tempos de estudante.
Assim, não obstante todos estes pedregulhos ainda nos sentimos felizes, eu e ela, portanto. Ainda motivos, os há de sobra para que nos orgulhássemos do nosso país, da nossa guine’n’dadi que nos enche de muitas motivações de orgulho patriótico, apesar dos pesares que nos trazem azares.
Muitos anos de estudos no exterior não me fizeram nem a mim e nem a ela que deixássemos de desfrutar a beleza sui generis desta cidade que nos viu nascer, crescer…
Curto, confesso sem muitos rodeios, a nossa cidade à noite, em especial quando passeio pela calada da noite na orla do Cais, a curtir pensativamente o ar que vem do Geba, a brisa que vem do mar calmo, nessas oras quando perambulo por ela, em que só peixes e outros habitantes do mar se movem deslizando pelas folhas das águas que inscrevem, escrevem as lindas histórias de amor pátrio.
Dizem as más-línguas que não só peixes é que movem nas nossas águas à noite, mas também homens desbravadores do mar que sulcam com seus barcos assassinos subtraindo-nos a nós todos os recurso marinhos, haliêuticos. E nós, incautos, nos matamos à beberagens nas festas, missas e toca-choros, etc.
Sei lá mesmo porque falo disto de pirataria em alto mar, não me compete, talvez esteja a fazê-lo na perspectiva de cidadão “descontente” com a oferta que damos às outras nações em troca de migalhas de dólares assassinos. Vender o que pertence a todos é prestar mau serviço tanto ao país quanto ao seu povo.
Ainda assim muita coisa foi nos passando pela cabeça (a ti leitor e a mim escritor, já não falo portanto da minha namorada), dentre as quais esta pergunta que fustiga a nossa alma, e simultaneamente, os nossos pensamentos:
Para quando a Guiné-Bissau?
Nisso de ver as pessoas de relance, às vezes por desmotivação que se apossa de mim, e às vezes por puro desprezo pelas pessoas que passam por mim, mas também pelas coisas que meus olhos vão perscrutando sobre o mistério contido em seus olhares tristonhos. E nas coisas ínfimas que me acontecem sorrateiramente.
Assim – e foi por acaso -, que assim me aconteceu a história que passo a narrar:
Uma linda mulher estava na sua sala de visita a assistir um programa qualquer na TGB – desculpem-me ter esquecido o nome do programa, mas talvez seja o Vede Quem Somos, apresentado pelo jornalista e jurista Gabriel Ié -, e de repente, aproxima-se dela seu cão de estimação.
Comia, ao que tudo indicava, carne grelhado recheado de legumes, e deitava gentilmente os ossos ao chão para que o cão os comesse.
Passados alguns minutos ouve o celular a tocar no quarto, pois o tinha esquecido desavisadamente. Lá se foi atender a chamada que acabara de receber. Estava um bocado ofegante pela pressa que o momento impunha a ela para atender o celular, pois não sabia ao certo quem é que estava do outro lado da linha.
Entretanto, noutro lado da linha, estava o marido que a tinha telefonado apenas para pedir que lho reservasse um prato de carne com salada, e mais do que isso, gostaria de ter uma salada de frutas como sobremesa para o jantar.
De regresso à sala para continuar seu programa de TV, eis que para o espanto dela o cão tinha amealhado o resto de comida que deixara a instantes no prato (que lhe caía bem ao paladar).
Furiosa que estava jogou com toda a força de raiva que se tinhaapoderado dela pelo sucedido encima do cachorro. Este, pela violência que acabara de sofrer, foge para os fundos do quintal de casa, ciente da falta cometida, mas principalmente da ira que provocara na patroa.Embrenhou-se, no entanto, entre sacos de carvão e de arroz da dispensa, e nem um latir, por mais pequenino que fosse, conseguiu esboçar.
A mulher, zanzando de um lado para o outro, acabou por cruzar com seu gato, de nome Onassys, que descarregava os alimentos que tinha ingerido no seu estômago. Esta, para o cúmulo do azar, acabou por levar uns pontapés da Dona Dyna (nome da patroa), pelo fato desta entender que o gato sujava sua casa.
Logo neste dia, e para a infelicidade do gatinho, que não tinha violado o direito soberano da Dyna de cumprir com suas obrigações de comilanças e beberagens.
Contudo, como se sabe, o mundo tem destas surpresas. O gato, por seu turno, em vez de tomar surra pela culpa que não cometeu, simplesmente foge em desatino subindo ao teto da casa, onde foraesconder-se. Conseguira escapar de mais uma leva de pancada.
Por ironia do destino, encontra-se lá no alto do teto da casa com o rato que, medroso, tenta a fuga. E justamente no sofá em que se encontrava deitada a Dona Dyna a curtir a sua tarde fagueira. Ao ver o bichinho, assusta-se, grita aos berros pelo marido ausente, e ainda mais sem nenhuma empregada por perto. A sala estava vazia, num soturno silêncio fúnebre.
Bate-lhe o coração a mil, o corpo enche-lhe de calafrios, fica arrepiada, medrosa – uma sensação de impotência apodera-se da alma da Dyna.
Nisso, instantes depois, vê o cão a sair da sala com o ratinho entre os dentes, morto. Ela fica tão feliz pela obra magistral e salvacionaistafeita pelo cão, e paradoxalmente, triste pela morte de uma criatura tão indefesa como o rato.
Adiantava o arrependimento por alguma besteira feita?
Neste mundo cão quem não é lesto perde o pão.
Caro leitor d’O Democrata, até a próxima, que o cronista precisa dormir para tentar esquecer o desassossego pátrio.
Por: Jorge Otinta, Poeta escritor e crítico literário guineense